Em um País onde mais se mata pessoas transgênero no mundo, transitar de um gênero a outro é um desafio. Sair de uma aparência “masculina” ou “feminina”, da qual não se identifica, para a busca por uma identidade de gênero e de um corpo com o qual se reconheça de fato, pode ser doloroso e perturbador para quem necessita dessa transição. Esse é um processo que se depara com desrespeitos, violências, apagamento social, marginalização por parte da sociedade e discriminações de todos os tipos a essas pessoas trans, práticas essas criminalizadas pela justiça.
Transição de gênero
“Desde criança me sentia desconfortável com roupas e maquiagens. Me sentia deslocado dentro do meu próprio corpo. Eu não entendia o que estava acontecendo, eu tinha muito medo da minha família e dos meus amigos me deixarem por ser 'diferente'. Era o que eu achava na época”, diz Pedro Lohan, 27 anos, que passou pelo processo de transição de gênero há sete anos. Ele nasceu e foi criado como sendo pertencente ao gênero feminino, mas aos 19 anos vivia, segundo afirma, uma guerra por não se reconhecer naquele corpo e não entendia o que estava acontecendo.
Cercado pelo medo, preconceito e discriminação, Pedro foi morar em outro Estado, se afastando de todos, foi nesse período que passou a se conhecer e aos poucos se aceitar. A transição foi difícil, mas ele afirma que há sete anos existe, antes vivia em guerra, e só agora se considera uma pessoa livre.
Dia Nacional da Visibilidade Trans
Histórias como a de Pedro existem e para erradicar preconceitos e discriminações, lideranças do movimento de pessoas trans em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde elaboraram a campanha “Travesti e respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos''. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida”, que tinha como objetivo incentivar a inclusão social desse grupo e no dia 29 de janeiro de 2004, ocuparam os salões do Congresso Nacional, em Brasília, buscando por igualdade, respeito e visibilidade, criando o Dia Nacional da Visibilidade Trans, data importante para trazer para a discussão a necessidade de avanços na garantia de direitos a essa população.
A coordenadora Estadual da Aliança Nacional LGBTQI+ no Estado do Tocantins e vice-presidente da Associação das Travestis e Transexuais do Tocantins (Atrato), Rafaella Alexandra Vieira Mahare, fala da data e das conquistas para as pessoas transgêneras. “Nos últimos anos houve um avanço para a visibilidade e consequente reconhecimento do direito à existência das pessoas trans enquanto cidadãs, mas ainda não temos acesso pleno a direitos fundamentais como o de identidade, direito ao auto reconhecimento, direito de ir e vir e até direito à vida”, desabafa.
A Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju) apoia a luta por respeito aos direitos das pessoas trans. “O nosso trabalho é dar voz a esse público, conscientizar a sociedade sobre a diversidade de gênero, promover o respeito e a valorização do ser humano. Para isso, o Governo do Estado tem trabalhado para a concretização desses direitos, com a promoção de campanhas educativas e ações sócio assistenciais”, esclarece o assessor da Gerência de Diversidade e Inclusão Social da Seciju, Yuri Mendes.
Direitos
Yuri ressalta alguns direitos garantidos a população trans, como a criminalização da homotransfobia, que garante que todo ato de homofobia ou transfobia, mesmo sem lei específica, seja considerado crime, conforme manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019. Destaca também a garantia do nome social, requalificação civil, cirurgia de redesignação sexual e uso do banheiro de acordo com o gênero.
Direito ao Nome Social
A utilização do nome social atende ao princípio da dignidade da pessoa humana garantido na Constituição Federal de 1888 e garante às pessoas trans, o reconhecimento de sua identidade de gênero com o tratamento pelo nome social, nas repartições e órgãos públicos federais desde abril de 2016, por meio do decreto nº 8.727, ainda que não tenham alterado os documentos civis. No Tocantins, o direito ao uso do nome social no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta do Poder Executivo Estadual das pessoas trans foi garantido com a publicação do decreto nº 6.191 em dezembro de 2020.
Esse direito também dá a possibilidade da pessoa trans ter o nome social incluído em documentos como Cadastro de Pessoa Física (CPF), cartão do Sistema Único de Saúde (SUS) e título eleitoral.
Requalificação Civil
A requalificação civil é quando a pessoa altera nome e gênero na certidão de nascimento. Em março de 2018, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.275, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STF), passou a garantir que essa alteração seja feita administrativamente em um cartório de registro de pessoas naturais, sem a necessidade de ação judicial.
ADI 4.275 também garante às mulheres trans, a inutilização do alistamento militar após retificarem todos os documentos, sendo necessário se dirigir a uma Junta Militar e solicitar a baixa. Àquelas que já alteraram toda a documentação antes dos 18 anos, estão dispensadas do alistamento obrigatório.
Cirurgia
No âmbito da saúde, as conquistas também vieram: o Sistema Único de Saúde (SUS) realiza desde agosto de 2008 a cirurgia de redesignação sexual para mulheres trans. Já para homens trans, o mesmo procedimento só passou a ser permitido em junho de 2019 por meio da portaria nº 1.370, no entanto, esse procedimento ainda se limita a alguns centros de saúde credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Goiânia e Recife.
Em relação aos procedimentos ambulatoriais, que incluem acompanhamento multiprofissional e hormonioterapia, há 12 hospitais referenciados em todo o País.
Em janeiro deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) atualizou algumas regras para o atendimento médico às pessoas trans por meio da Resolução nº 2.265/2019, que define a idade mínima de 18 anos para as cirurgias, e o início das terapias hormonais a partir dos 16 anos
Uso do banheiro
Apesar de ainda não ter uma legislação específica que garanta o direito ao uso do banheiro de acordo com o seu gênero, a pessoa trans tem o direito de escolher usar o qual se identifica ou se sentir mais confortável. Nesse sentido, já existem decisões do STF que enquadram esse direito ao artigo 5º da CF como direito à igualdade.