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Opinião

O termo “liberdade de expressão” se tornou ainda mais presente em 2021, principalmente após a exclusão de contas de redes sociais de Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos. Enquanto ele defende que as opiniões publicadas acerca da invasão do Capitólio não passaram de liberdade de opinião, outros acusam o conteúdo como incentivo ao ataque ao congresso estadunidense. E proferir estímulo à violência foge da classificação de liberdade de expressão, por mais que Trump tenha sido inocentado em um julgamento que mais tem relação com política que com justiça.

Alçada como um direito humano desde a Declaração Universal de 1948, a liberdade de expressão também está presente no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, assinado e ratificado pelo Brasil. O documento afirma que ninguém pode ser incomodado pelas próprias opiniões, exceto se as apreciações afetarem o direito e a reputação de outros, e se violam a proteção da segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

Ao distribuir kits de tratamento precoce contra a Covid-19, disponibilizar um aplicativo que receitava hidroxicloroquina mediante qualquer sintoma (TratCOV) e investir milhões de reais na produção do citado medicamento, mesmo sem confirmação científica de sua eficácia, a opinião do governo federal (que viola o conceito de proteção à saúde) virou política pública de “combate” ao novo coronavírus. Com recentes pesquisas que colocam os tratamentos como ineficientes para este fim e até prejudiciais, houve nas últimas semanas uma sistemática tentativa de apagar esta indução.

Transformar opiniões unilaterais em políticas públicas, sem estudos comprobatórios, é uma especialidade do atual governo. Podemos lembrar da tentativa da ministra Damares em incorporar práticas da própria religião como uma política pública de atrasar práticas sexuais em adolescentes. Recentemente o Brasil tem ido contra iniciativas internacionais de direitos humanos em ampliar o acesso à educação em sexualidade, apontado por especialistas como uma das melhores formas de postergar o início da vida sexual. Ou da então secretária de cultura, Regina Duarte, quando afirmou em entrevista que haveria investimentos para produções que falassem de temas os quais o governo estivesse interessado. Os demais projetos deveriam buscar apoio de outra fonte.

E não basta transformar opiniões em políticas públicas. É preciso calar quem critica. Bolsonaro sugeriu recentemente que os jornais deveriam fechar as portas. Afinal, para alguns, a liberdade de expressão só é válida quando está ao próprio favor. É o que sugere o novo escândalo na Espanha, onde um músico foi preso por publicações em redes sociais e letras de músicas que repudiam atitudes governamentais.

É preciso debater a liberdade de expressão e estabelecer parâmetros mais certeiros que garantam a livre opinião de ideias e penas mais contundentes quando esta liberdade for afetada. Do mesmo modo, ficou evidente que a divulgação de fake news no Brasil, disfarçada de liberdade de expressão institucionalizada, tem gerado problemas reais na segurança nacional, na ordem, na saúde e na moral públicas. Desta forma sabemos na prática os riscos de transformar liberdades de expressão em políticas ideológicas de governo.

*Diogo Cavazotti é mestre em Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário pela Universidad Católica de Colombia.