O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia, nessa sexta-feira, 11, o julgamento que definirá o futuro das demarcações das terras indígenas no Brasil. Os povos indígenas têm se mobilizado durante toda semana, em Brasília e nos estados, em apoio ao Supremo e, contra a tese do “marco temporal”.
O “marco temporal” é uma interpretação defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. De acordo com ela, essas populações só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data.
Entre os dias 11 e 18 de junho, a Corte vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios. Os ministros do STF vão analisar a aplicação do “marco temporal” nesse caso.
Eles também vão analisar a determinação do ministro Edson Fachin que, em maio do ano passado, suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma oficializou o chamado “marco temporal”, entre outros pontos, e vem sendo usada pelo governo federal para paralisar e tentar reverter as demarcações. Na mesma decisão do ano passado, Fachin suspendeu, até o final da pandemia da Covid-19, todos os processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de procedimentos demarcatórios. Essa decisão também deverá ser apreciada pelo tribunal.
Em síntese, há duas teses em disputa. De um lado, a chamada “teoria do Indigenato”, uma tradição legislativa que vem do período colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um “direito originário” – ou seja, anterior ao próprio Estado. Do outro lado, a tese do chamado “marco temporal”, que busca restringir os direitos constitucionais dos povos indígenas. “O que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas, o direito à terra”, explica Rafael Modesto, advogado da comunidade Xokleng e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Povos indígenas mobilizados
Mobilizados contra o marco temporal, em Brasília e nos estados, os indígenas irão acompanhar o julgamento. “Os povos indígenas precisam ter reconhecidos seus direitos tradicionais. E nós gostaríamos que fosse julgada a repercussão geral, que fosse a favor, que não se falasse mais em marco temporal”, diz Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng.
O julgamento será virtual, formato em que os ministros indicam seus votos eletronicamente, sem lê-los e debatê-los. Não há garantia que seja concluído na data prevista, porque os ministros podem pedir para avaliar melhor o processo, com um pedido de “vistas” ou de “destaque”, suspendendo-o e transferindo-o para uma data incerta.
Retirada de invasores
Também entre 11 e 18 de junho, o STF vai julgar medidas de segurança da parte do governo para os povos Yanomami (RR) e Munduruku (PA). Na mesmo ação, será julgado o pedido de um plano à administração federal para a retirada de garimpeiros e invasores dos mesmos territórios Yanomami e Munduruku, além do Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau (RO), Kayapó e Trincheira-Bacajá (PA) e, Araribóia (MA). Os pedidos foram feitos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entre outras organizações, no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709/2020, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso.