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Opinião

Foto: Divulgação

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Mais um capítulo trágico envolvendo torcidas organizadas no Brasil aconteceu no último final de semana. Uma jovem torcedora do Palmeiras faleceu após um conflito entre torcidas, durante a partida entre Palmeiras e Flamengo, na Capital paulista, em que, do lado de fora do estádio, segundo relatos da Polícia Civil, após ter sido, supostamente, acertada na jugular (região do pescoço) por estilhaços de vidro de uma garrafa, supostamente, arremessada por um torcedor do Flamengo, a torcedora de 23 anos sofreu graves lesões e foi socorrida para o hospital, onde não resistiu aos ferimentos.

Gravações e vídeos que circulam na internet retratam cenas de barbárie e servirão como provas da investigação policial. Importante destacar que no dia do ocorrido, dia 9 de julho, foi preso em flagrante um jovem flamenguista, que foi indiciado por homicídio doloso, ou seja, que ele praticou o ato com assumindo o risco em matar (dolo eventual). O rapaz, entretanto, teria confessado a ação de atirar apenas gelo em direção aos torcedores do Palmeiras.

Infelizmente, brigas e confusões são corriqueiras nos arredores do estádio de futebol, quando torcedores de torcidas rivais se encontram nas ruas próximas ao local do jogo. Normalmente, esses confrontos sangrentos resultam em vítimas, feridos, inclusive até mesmos policiais.

Acerca desse fato em específico envolvendo a morte da jovem torcedora do Palmeiras, após análise das imagens e vídeos, nota-se momento em que um jovem é flagrado arremessando uma garrafa supostamente de vidro e, do outro lado, a câmera filma instantes após a torcedora com a mão ao pescoço (e logo na sequência aparece desacordada). Assim, existem indícios suficientes de autoria e materialidade, que neste caso é o crime de homicídio doloso.

O crime de homicídio está previsto no Artigo 121 do Decreto Lei n. 2848, de 07 de dezembro de 1940, (Código Penal brasileiro). E no caso do crime cometido no último domingo, o investigado de provocar o óbito da torcedora foi indiciado formalmente pelo Delegado do DOPE (Departamento de Operações Policiais Estratégicas) pela prática do crime de homicídio doloso consumado, com pena de 6 a 12 anos de prisão, conforme caput do referido artigo. Isso porque a Autoridade Policial entendeu que o jovem flamenguista, embora não tivesse dolo específico, assumiu o risco de matar ao arremessar uma garrafa de vidro por cima de uma barreira que separavam as torcidas (inclusive com policiamento no local) e esse risco era de conhecimento do agente no momento do arremesso mesmo que no seu inconsciente (embora em depoimento, o torcedor flamenguista tenha dito que arremessou apenas gelo), o que configura o dolo eventual para o crime in questio.

Vale destacar, que apesar dos fatos estabelecidos pelo delegado da Polícia Civil e das gravações acima citadas, o depoimento do acusado pode ter um peso. Isso porque, o Ministério Público pode acusa-lo formalmente da prática do crime de homicídio culposo, ou seja, que o agente não tinha a intenção de matar, que está previsto e punido no § 3º do Artigo 121 do Código Penal brasileiro, que detém pena de 1 a 3 anos de detenção, podendo, nesse caso, inclusive se o acusado ser colocado em liberdade caso preenchido os requisitos legais.

Entretanto, a hipótese mais provável, é de o Ministério Público denunciar o torcedor flamenguista pelo crime de homicídio doloso (com dolo eventual) e qualificado, ou seja com qualificadores (aumento) da pena  previstos no § 2º do Artigo 121 do Código Penal brasileiro, e neste caso, notadamente com a incidência dos incisos I (motivo torpe, imoral, vergonhoso); II (por motivo fútil); III (com emprego de meio que possa resultar perigo comum); IV (mediante uso de recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido).

Mister abrir um parêntese, para salientar que existe a possibilidade da incidência de quatro qualificadoras neste crime. E, se assim for entendido, poderia o torcedor flamenguista ser condenado judicialmente em Júri popular com pena de até 16 anos de prisão.

Em todo caso, após receber a denúncia, o juiz ordenará a citação do acusado para responder à acusação formalmente no processo em 10 dias, nos termos do artigo 406 do CPP. E, após audiência de instrução e julgamento, o juiz da causa proferirá decisão de pronúncia (artigo 413 do CPP), ou seja, entenderá que a acusação do MP preenche os requisitos de admissibilidade, sendo certo que a defesa do torcedor flamenguista pode recorrer dessa decisão através do Recurso em Sentido Estrito (RESE).

Ou então, o juiz, após apresentação de defesa pelo advogado do torcedor flamenguista e a audiência de instrução e julgamento, pode decidir pela impronuncia (artigo 414 do CPP), que é uma decisão que faz coisa julgada formal e entende que não há provas da materialidade do fato ou existência de indícios suficientes de autoria ou participação para levar o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri. Essa decisão tem efeitos de sentença e contra ela caberá recurso de apelação a ser interposto pelo Ministério Público.

Além disso, pode ocorrer a absolvição sumária (artigo 415 do CPP), obviamente se apenas provada a inexistência do fato; não ser o acusado o autor ou participe do crime; o fato não constituir crime ou a causa de isenção de penal ou exclusão do crime – excludente de ilicitude penal.

Conforme dito acima, caso a decisão seja pela pronúncia ao crime de homicídio doloso (com dolo eventual) qualificado, o torcedor flamenguista será então levado o Júri Popular no prazo, em tese, de até 6 meses do trânsito em julgado da decisão de pronuncia ou da data que transitou em julgado a decisão do Tribunal que por ventura tenha confirmado a decisão de pronuncia no recurso em sentido estrito (RESE), sob pena de desaforamento, podendo o agente do crime então ser condenado ou absolvido pela decisão dos jurados na prática do crime que lhe denunciou o Ministério Público.

Ao final julgamento do Tribunal do Júri, o juiz na frente do réu faz a leitura da sentença, e embora exista o princípio constitucional da soberania dos vereditos, ainda existe a possibilidade de questões de direito serem levadas à segunda instancia e aos tribunais superiores após o fim do Júri, como por exemplo temas contrário a prova dos autos; anulação parcial da decisão do conselho de sentença ou até mesmo a inovação probatória na renovação do júri.

É possível também, a distribuição de habeas corpus substitutivo de revisão criminal (que deve ser reconhecido de ofício uma nulidade processual com flagrante ilegalidade) ou até mesmo a revisão criminal requerendo absolvição e reforma da decisão transitada em julgado ou até mesmo, por exemplo, o afastamento das qualificadoras aplicadas na pena de homicídio.

Portanto, existe um caminho legal para a punição (ou absolvição) dos crimes protagonizados por torcedores organizados no Brasil. É imprescindível a assinatura do Acordo de Cooperação para o lançamento do Projeto Estádio Seguro, que está para ser assinado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério do Esporte e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para erradicar crime nos estádios e nos arredores do estádio de futebol em dias de jogos. E se faz necessário que o Congresso Nacional avance urgentemente na de projetos de lei que visam impedir violência nos estádios de futebol, e sobretudo, a inclusão de novo inciso taxado expressamente no Artigo 121 do CP, que preveja o homicídio praticado em estádios de futebol ou nos arredores em dia de jogos.

Não é tolerável mais em tempos modernos aceitarmos esses crimes como o que vitimizou a jovem torcedora palmeirense. Acreditamos que com o agravamento da pena para homicídio ou até mesmo lesão corporal em estádios de futebol ou nos arredores, ou até mesmo a nova previsão expressa para esse tipo de crime (sem poder a defesa dos acusados pleitearem lacunas na Lei que hoje existem), novas tragédias sejam evitadas.

Infelizmente, vivemos em tempos em que estamos com uma sensação de impunibilidade e injustiça nos casos de violência em praças esportivas. Precisamos de uma cooperação dos Poderes da República e das autoridades para conseguirmos identificar esses criminosos de uma maneira mais ágil e assertiva e agir com rigor nas punições. É preciso virar esse jogo.

*Eduardo Maurício é advogado no Brasil, Portugal e Hungria, presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).