Cerca de 2.135 dias é o tempo que leva um processo judicial ambiental para ser concluído em Mato Grosso, um dos estados amazônicos. Esse tipo de processo ocorre quando há conflitos relacionados ao Meio Ambiente, como desmatamento, a expansão das áreas de agricultura, a grilagem de terras, entre outros. Essa espera, que totaliza aproximadamente 7 anos, motivou os pesquisadores da Fundação Getulio Vargas a investigar como diferentes órgãos de justiça do país lidam com processos relacionados a região da Amazônia Legal, área que engloba os estados: Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso.
A pesquisa Judicialização de conflitos socioambientais na Amazônia demonstrou onde os conflitos judiciais são mais frequentes e que tipo de conflitos são esses, a fim de direcionar os caminhos para onde o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deveria investir com mais intensidade.
“O tempo médio para conclusão de um processo envolvendo conflito socioambiental no MT é, pelo menos, três vezes maior do que em Roraima. Então, é necessário olharmos para essa situação, a fim de priorizar as demandas judiciais mais urgentes e entender a dificuldade do Judiciário em concluir essas ações em algumas regiões da Amazônia mais do que em outras”, afirmou o pesquisador do Centro de Direitos Humanos e Empresas da FGV (FGV.CeDHE), Thiago Acca, quem coordenou o projeto.
O estudo teve origem após a FGV ter sido selecionada como parte do Programa “Judiciário pelo Meio Ambiente”, do CNJ, que busca o aperfeiçoamento contínuo dos órgãos judiciários, no intuito de defender e preservar o meio ambiente. “Tratar a Amazônia sob o viés jurídico é fundamental, pois apenas o combate ao desmatamento garantirá ao Brasil realizar seus compromissos internacionais sobre clima e biodiversidade, e há uma grande aposta no nosso país, principalmente por causa da Floresta Amazônica”, introduziu Acca.
Cruzamento de dados sobre desmatamento, conflitos no campo e ações judiciais
Para realizar a pesquisa, foram feitas entrevistas e aplicado um questionário com diversos juízes que atuam na região da Amazônia Legal. Além dessas fontes, a pesquisa também analisou 35.514 ações judiciais, autos de infração do Ibama, decisões judiciais de tribunais da região, além de bases de dados sobre desmatamento e conflitos socioambientais.
“Tentamos entender se as decisões judiciais nesses estados são cumpridas ou não, e em caso negativo, quais são as dificuldades para que sejam cumpridas”, disse o coordenador do projeto. Segundo Acca, a hipótese era que havia uma possível relação entre o aumento do desmatamento e a atuação administrativa e judicial na região, mas isso não confirmou.
“O aumento do desmatamento nos últimos anos, totalizando 29.872 ações entre 2020 e 2021, foi acompanhado por uma redução significativa de autos de infração, que se trata de um documento oficial que registra uma infração ou violação às leis ou regulamentos. Além disso, no mesmo período também houve aumento da demora para a prestação jurisdicional em muitos estados da região”, elucidou o pesquisador.
Acca também ressalta que, a partir da análise de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foi possível constatar que, entre 2018 e 2021, ocorreu aumento de desmatamento nos estados do Pará, Mato Grosso, Amazonas e Rondônia.
“São estados onde justamente as decisões judiciais costumam demorar mais. A partir da comparação desses dados com informações da base de dados do Sirenejud, banco de dados com informações sobre as ações judiciais criado pelo CNJ, foi possível identificar zonas de atenção, onde o aumento do desmatamento não foi acompanhado por um aumento da atuação judicial”, disse.
Mapa – Comparativo entre o número de decisões proferidas em ações socioambientais entre os anos de 2018 e 2021 no TRF1 e o incremento do desmatamento acumulado no período na Amazônia Legal.
O pesquisador declara que as informações encontradas permitem pensar em ações mais efetivas para combater o desmatamento. “Mostramos ao CNJ as principais áreas que precisam de mais atenção, para que eles decidam como melhorar a judicialização de conflitos ambientais nesses locais. São necessárias novas varas na região? É preciso uma atuação mais forte do Ibama nesses lugares? Evidenciamos os conflitos que acontecem para que eles possam criar políticas públicas que previnam que essas infrações ocorram em primeiro lugar.”
Os que cometem os danos ambientais nessa região são os mesmos que costumam repetir e perpetuar essas infrações. Para chegar a essa conclusão a pesquisa levantou um total de 6.375 ações judiciais propostas entre os anos de 2020 e 2022 na região da Amazônia. Desse total de ações, em quase um terço delas os infratores já receberam também sanções administrativas do Ibama.
“Em alguns casos, o mesmo infrator que está sendo processado judicialmente por dano ambiental havia recebido mais de 30 sanções, como multa e apreensão de animais ou produtos”, exemplificou Acca. Segundo o pesquisador, esse dado mostra que seria possível agir de forma preventiva sobre os casos reincidentes ao reduzir a sobrecarga nas instituições de justiça, como Judiciário e Ministério Público.
“Apesar disso, nossa pesquisa encontrou uma redução da atuação administrativa. Entre os anos 2016 e 2019, houve diminuição de 36,45% das sanções administrativas aplicadas pelo Ibama”, afirmou o pesquisador. Ele chama atenção para o fato que, quando há menos registros de infrações cometidas, as pessoas podem perceber que não estão sendo punidas pelos danos ao meio ambiente. “Isso aumenta o risco de mais danos ambientais ocorrerem. Por isso, é importante evidenciar essas questões para orientar a criação de políticas públicas e judiciárias nesses âmbitos”, alertou.
Novos olhares sobre danos ambientais cometidos na Amazônia
O professor acrescenta que frequentemente são veiculadas reportagens na mídia que posicionam o Brasil nessa seara climática e ambiental; porém, pouco se evidencia sobre como o Poder Judiciário vem tomando decisões a respeito da Amazônia. “Quanto tempo uma ação demora para ser encaminhada? Quais os principais tipos de ação que demoram mais? Quais regiões tem mais ações judiciais em andamento? Essas questões exigem que olhemos com mais atenção para a atuação dos órgãos de justiça sobre esses problemas, principalmente no contexto das mudanças climáticas.”
Para o pesquisador, esses são alguns pontos que a área jurídica não costuma depositar a devida atenção, e a pesquisa da FGV Direito SP vem justamente para contribuir com dados e informações nesse setor, para potencializar a atuação do CNJ. “Em vez de analisar como essas infrações acontecem em um município específico, tornou-se mais viável analisar as ações judiciais em cada um dos estados da Amazônia Legal. Uma base de dados mais ampla iria nos permitir ter uma visão mais precisa sobre os pontos que precisam de intervenções mais urgentes”, destacou.
Acca ainda declara que só foi possível realizar este projeto devido a uma equipe multidisciplinar, envolvendo diferentes áreas do conhecimento como geografia, direto, estatística. “Isso possibilitou trazer sugestões efetivas e recomendações concretas ao CNJ. Muitas vezes a pesquisa no mundo jurídico é vista de forma individualizada, na qual um determinado pesquisador realiza o estudo sozinho, ou dentro do centro que trabalha. Porém, no mundo atual, em que temos acesso a ferramentas tecnológicas, não dá mais para fazer pesquisa no âmbito do direito de forma isolada. Pesquisas na área de direito ainda carecem desse diálogo com outras áreas do conhecimento”.
Possíveis caminhos para uma judicialização mais efetiva
Com vista a melhorar toda essa situação evidenciada pelos pesquisadores, o projeto se dedicou a criar possíveis sugestões a serem adotadas pelo CNJ. O objetivo, além de prevenir que novas infrações ambientais ocorram dentro do território amazônico, é também reduzir a impunidade por parte dos infratores que cometem esses crimes.
“Entre diversas sugestões, propomos ao CNJ o aumento de unidades judiciárias na Amazônia Legal. Deveria haver uma melhor distribuição de novas áreas, para combater onde esse tipo de conflito costuma ocorrer com maior frequência”, disse o professor.
Ele também acredita ser necessário capacitar os juízes para lidar melhor com esse tipo de processo. “Do ponto de vista dos estudos realizados nas faculdades de direito, pouco se olha para questões ambientais. Então, sugerimos que haja uma formação específica para que juízes sejam mais capacitados tecnicamente para conseguir lidar com essas demandas”, concluiu Acca.
Os resultados desta pesquisa foram apresentados no evento Judiciário Sustentável, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça, em junho de 2023. É possível acessar o sumário executivo sobre o projeto, que conta com o diagnóstico da judicialização da Amazônia, bem como as possíveis sugestões para melhorar os processos, através do link: Link
Esse estudo foi selecionado pela Comissão de Pesquisa e Inovação da FGV entre os 17 destaques de pesquisa científica em 2023, que serão premiados durante o VII Simpósio de Pesquisa da Fundação Getulio Vargas. Este ano, o evento que acontece nos dias 12, 13 e 14 de setembro, no Centro Cultural FGV, no Rio de Janeiro. Esta edição também abriu a oportunidade para pesquisadores apresentarem seus projetos no intuito de alcançarem parcerias e investimentos para suas pesquisas, em meio ao encontro de instituições de pesquisa, agências de fomento, fundações de amparo à pesquisa e representantes do setor público e privado. É possível se inscrever gratuitamente para o Simpósio, além de conferir a programação completa, neste link. (Insight Comunicação)