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Campo

Pesquisadores apresentaram as características e as recomendações de manejo das cultivares de trigo tropical da Embrapa.

Pesquisadores apresentaram as características e as recomendações de manejo das cultivares de trigo tropical da Embrapa. Foto: Breno Lobato

Foto: Breno Lobato Pesquisadores apresentaram as características e as recomendações de manejo das cultivares de trigo tropical da Embrapa. Pesquisadores apresentaram as características e as recomendações de manejo das cultivares de trigo tropical da Embrapa.

Responsável pelo desenvolvimento de variedades de trigo adaptadas ao Cerrado do Brasil Central e com elevado rendimento de grãos e qualidade industrial, a Embrapa participou do “Dia de Campo Trigo Irrigado 2023”, promovido no dia 12 de setembro pela Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF) em uma propriedade no Núcleo Rural Jardim, no PAD-DF, Distrito Federal. O evento contou com a participação de 170 produtores, consultores e extensionistas rurais.

Cultura em expansão na região, o trigo tem despertado o interesse de produtores devido aos benefícios proporcionados ao sistema de produção, como a quebra do ciclo de pragas e doenças e a melhoria da qualidade do solo, além de possíveis ganhos financeiros durante a entressafra do trigo do Sul do País.

“É uma cultura que abraçamos há algum tempo e com a qual já tempos alguma experiência. O Dia de Campo é uma oportunidade de compartilhar um pouco desse conhecimento. Temos empresas como a Embrapa, que é nossa parceira desde o início, com as cultivares BRS 264, BRS 254, BRS 404 e BRS 394, materiais que são diferenciais na triticultura aqui no Cerrado”, afirmou o presidente da Coopa-DF, José Guilherme Brenner.

O chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados (DF), Fábio Faleiro, destacou que a pesquisa e a força do produtor rural transformaram não apenas a agricultura brasileira nas últimas décadas como o Brasil, e que o País hoje vivencia a tropicalização do trigo. “É um fato histórico. Em poucos anos, vamos atingir a autossuficiência não só na produção, mas também na qualidade. E o Cerrado tem um papel muito importante nisso, tanto com o trigo irrigado como com o trigo safrinha”, comentou.

Trigos desenvolvidos no Cerrado para o Cerrado

O pesquisador Julio Albrecht, da Embrapa Cerrados, ressaltou a parceria histórica entre a Embrapa e a Coopa-DF e falou sobre as principais características das quatro cultivares de trigo tropical atualmente ofertadas para o Cerrado. 

Cultivar de trigo irrigado mais plantada na região, a BRS 264 se destaca pela precocidade e pela alta produtividade, tendo alcançado o recorde mundial de produtividade média diária em 2021 – 80,92 kg/ha/dia com ciclo de 119 dias, totalizando 9630 kg/ha ou 160,5 sc/ha– na propriedade do produtor Paulo Bonato, em Cristalina (GO). 

Apresenta qualidade industrial, com estabilidade de farinha de 24 minutos e força de glúten (W) superior a 250 x 10-4 J. Segundo o pesquisador, a variedade tem ótima aceitação pelos moinhos, o que possibilita uma boa liquidez na comercialização. “É um dos melhores materiais da região para a produção de farinha para panificação, com uma alta estabilidade e uma boa força de glúten. Em termos de qualidade industrial, é um trigo muito equilibrado”.

Outros fatores importantes de qualidade industrial apontados são o elevado rendimento de farinha (66,5% em média, com 14% de umidade) em comparação ao dos demais trigos da região (entre 58% e 60%); e o elevado peso hectolítrico (PH) (84), característica relacionada à densidade dos grãos e ao rendimento de farinha. 

Albrecht acrescentou que a BRS 264 é plantada em sistema de sequeiro em algumas regiões, como o Sul de Minas Gerais, região mais fria e onde as chuvas se estendem um pouco mais ao longo do período chuvoso, o que favorece o cultivo. Porém, para o Brasil Central, não é recomendado o plantio em sequeiro devido ao risco de brusone, principal doença que acomete a cultura na região.

A produtividade média com a cultivar tem sido de cerca de 130 sc/ha no sistema irrigado, alcançando 70 sc/ha no sistema de sequeiro em regiões como o Sul mineiro. Além disso, é atualmente um dos materiais mais precoces do mundo (ciclo em torno de 107 dias), permitindo a economia de água e energia, bem como a colheita bem antes do início do período chuvoso no Cerrado.

O pesquisador destacou ainda o desempenho agronômico da cultivar apresentando dados de um estudo realizado em Luís Eduardo Magalhães (BA) que comparou diferentes materiais quanto à produtividade em função da dose de nitrogênio utilizado na adubação. A cultivar obteve a maior produtividade média (6077 kg/ha) entre as concorrentes. “A BRS 264 é uma cultivar excepcional em termos de produção e de qualidade, além de responder muito bem à tecnologia”, concluiu.

Já a cultivar BRS 394 é indicada para os sistemas irrigado e de sequeiro, também se destacando pela alta produtividade – médias de 120 sc/ha (irrigado) e 70 sc/ha (sequeiro) – e pela precocidade. Assim como a BRS 264, é um trigo classe pão, com estabilidade acima de 25 minutos, rendimento de farinha médio de 62,5% e força de glúten (W) média de 320 x 10-4 J, o que a torna, em determinadas situações, um trigo melhorador. “Isso para o moinho é uma grande vantagem, porque ele consegue usar a farinha da BRS 394 e da BRS 264 para melhorar a qualidade de farinhas de trigos de qualidade inferior, fazendo um blend”, explicou Albrecht.

Indicada para o sistema irrigado, a BRS 254 é o material mais antigo dos quatro apresentados, mas que ainda se destaca pela elevada produtividade – média de 120 sc/ha, sendo que em 2017 o produtor Paulo Bonato obteve 139,8 sc/ha – e pelo fato de ser um trigo melhorador, característica de interesse industrial. É um material de ciclo médio e, por ser moderadamente suscetível ao acamamento, requer um manejo mais cuidadoso, sobretudo quanto à irrigação e à adubação nitrogenada – a dose total não dede ser superior a 120 kg de N/ha. “Mas também é um trigo que responde à tecnologia”, ponderou o pesquisador. 

A cultivar tem elevada força de glúten (W) (330 x 10-4 J). “Quanto maior a força de glúten, melhor para as padarias produzirem pães congelados”, observou o pesquisador. O rendimento de farinha médio é de 62,2% e o PH (82) é elevado.

Por fim, a BRS 404 é uma cultivar indicada para produção em sistema de sequeiro, mas também pode ser utilizada em sistema irrigado, principalmente em regiões mais quentes. A principal característica é a tolerância a calor e à seca, por isso a indicação para a safrinha.

A cultivar tem ciclo precoce e apresenta produtividades médias de 70 sc/ha em sistema de sequeiro em anos de chuvas bem distribuídas ao longo do ciclo da cultura e, no sistema irrigado, alcança 100 sc/ha. No ensaio de trigo safrinha realizado em 2021 pela Coopa-DF, a BRS 404 superou os demais materiais tanto em produtividade (59,47 sc/ha) como no PH (84), outra importante característica da cultivar. No ensaio deste ano, a cultivar novamente superou as demais (71,95 sc/ha), mantendo o PH elevado (84).

Segundo Albrecht, a BRS 404 é um material que, em anos mais quentes ou secos, consegue responder bem em termos de produtividade. E quanto ao PH, é atualmente um dos melhores materiais para a triticultura no Cerrado. “Normalmente, quando há alguma adversidade climática na fase de enchimento do grão ou na fase de maturação, os materiais tendem a reduzir o PH. Alguns chegam a ficar com PH abaixo de 78 (exigência mínima dos moinhos), o que proporciona um rendimento muito baixo de farinha. Nessa condição, os moinhos pagam um valor menor pela produção. Algumas vezes, nem compram o trigo”, comentou o pesquisador, recomendando cuidado na escolha da variedade em função do PH.

A BRS 404 tem excelente qualidade industrial para panificação, é classificada como trigo pão, apresenta estabilidade de farinha acima de 14 minutos e PH médio de 83, tendo também boa aceitação junto aos moinhos.

Manejo das cultivares no Cerrado

Jorge Chagas, pesquisador da Embrapa Trigo (RS), apresentou recomendações de manejo das cultivares da Embrapa. Ele abordou as medidas necessárias durante o planejamento da lavoura, a semeadura, o afilhamento e o alongamento das plantas, e comentou sobre o software gratuito Monitoramento de Irrigação no Cerrado.

Na fase de planejamento, o produtor deve ter conhecimento sobre rotação e sucessão de culturas para que tenha o pivô de irrigação liberado para a época adequada de semeadura do trigo. “O planejamento das safras anteriores para que o produtor consiga semear o trigo na época certa é importante, pois assim ele não ficará com o pivô parado nem plantará o trigo tardiamente”, explicou.

Ele salientou a importância da aquisição de insumos como herbicidas e o regulador de crescimento com antecedência, bem como da escolha da cultivar, que deve considerar o rendimento, o ciclo (que influencia no custo com energia e água no sistema irrigado), o acamamento, a resistência a doenças, a qualidade de grãos e a aceitação pelo moinho, entre outros. “Cada cultivar vai gerar um manejo na propriedade, conforme suas características”, lembrou o pesquisador.

Outro fator importante é a aquisição de sementes. “A partir da escolha da cultivar, o produtor deve verificar junto ao obtentor onde adquirir sementes, sempre de produtores idôneos”, recomendou. 

A semeadura do trigo pode ser feita a lanço ou, preferencialmente, em linha, pois a técnica posiciona as sementes na profundidade ideal, permite o uso eficiente de fertilizantes e garante um arranjo de plantas uniforme, o que favorecerá a eficiência do uso do redutor de crescimento. “O plantio a lanço é uma alternativa para quem deseja testar a cultura e ainda não quer investir numa semeadora”, observou.

Para a região do Cerrado do Brasil Central, os pesquisadores têm indicado a época de semeadura do trigo irrigado entre os dias 5 e 20 de maio para melhor exploração do potencial produtivo e, principalmente, para escapar da ocorrência de brusone. Para a semeadura tardia, são indicadas a BRS 394 ou a BRS 254, por serem mais tolerantes à chuva na colheita.

Quanto à densidade de semeadura, Chagas salientou a importância de se observar o peso de mil sementes (PMS) da cultivar, que pode variar muito conforme o sistema em que a semente foi produzida (sequeiro ou irrigado); a quantidade necessária de sementes; a germinação do lote e a plantabilidade, ou seja, a quantidade de plantas que de fato nascem no campo. “É importante que o produtor veja o quanto ele planta e o quanto realmente germina no campo para que determine as populações de plantas ideais de cada material”, explicou.

O pesquisador mostrou dados de ensaios realizados em Cristalina e Unaí (MG) com densidades de semeadura das cultivares da Embrapa, seguindo as recomendações de manejo para a região. Com 400 a 450 sementes viáveis/m2 da BRS 264, foram obtidas 68 a 77 plantas viáveis/metro de linha, com espaçamento de 17 cm; com 350 a 400 sementes viáveis/m2 da BRS 394, foram obtidas 60 a 68 plantas viáveis/metro de linha, com espaçamento de 17 cm. As cultivares BRS 254 (330 a 380 sementes viáveis/m2 e 56 a 65 plantas/metro de linha com espaçamento de 17 cm) e BRS 404 em sistema irrigado (300 a 350 sementes viáveis/m2 e 51 a 60 plantas/metro de linha com espaçamento de 17 cm), por serem mais perfilhadoras, apresentaram menores respostas à densidade de semeadura. 

Ele apontou que quando a população de plantas está acima da indicada, há uma propensão ao acamamento. “Se você começar com uma densidade de semeadura alta, terá que reduzir a dose de nitrogênio ou, no final do ciclo, terá que reduzir a quantidade de água. Não dá para resolver isso confiando apenas no regulador de crescimento, querendo que ele faça milagre. Tanto o excesso de plantas como o excesso de nitrogênio diminuem a eficiência do regulador de crescimento em reduzir o acamamento”, alertou.

Com relação à adubação de plantio, Chagas lembrou a importância de um solo equilibrado, com os nutrientes em níveis adequados e o alumínio neutralizado com calcário e gesso agrícola, condição que pode ser verificada na análise laboratorial de solo. Com os nutrientes em níveis adequados no solo, recomenda-se a adubação de manutenção com fósforo (80 a 100 kg/ha), potássio (40 a 60 kg/ha), dando preferência a adubos com boro e zinco na composição, além de cálcio e enxofre. Já o nitrogênio deve ser aplicado (20 a 40 kg/ha) na semeadura.

Na adubação em cobertura, o nitrogênio deve ser aplicado do plantio até 15 dias após a germinação. “Isso porque até 30 a 35 dias após a germinação, o potencial do trigo estará praticamente definido, a planta já terá a espigueta praticamente formada”, justificou o pesquisador. A aplicação tardia do nitrogênio, por outro lado, não é indicada, a não ser que a lavoura apresente problemas com perda de área foliar ou deficiência de nitrogênio.

“Se for aplicado mais nitrogênio que o indicado, a lavoura estará sujeita ao acamamento. Se a densidade for alta ou houver excesso de nutrientes, você terá que reduzir a quantidade de nitrogênio”, disse, apresentando as doses médias recomendadas de nitrogênio para adubação em cobertura de cada cultivar da Embrapa.

Ao final da apresentação, ele apresentou o software Monitoramento de Irrigação no Cerrado, disponível gratuitamente na página da Embrapa Cerrados na internet. O programa disponibiliza informações para a irrigação de culturas anuais (trigo, cevada, feijão, arroz e milho) e café. 

No caso do trigo, a opção “Embrapa 42” corresponde às cultivares BRS 394 e BRS 264, enquanto “Embrapa 22” corresponde à BRS 254 e à BRS 404, em função do ciclo. Também é possível selecionar o tipo de solo e informar a data de emergência das plantas. A partir dessas informações, o programa fornece o número de dias dos turnos de rega e a lâmina líquida a ser aplicada.

“Todas essas recomendações são de manejo básico para que cada produtor as aplique conforme a sua realidade. Elas são um norte a ser seguido para obtermos produtividades satisfatórias e começarmos a pensar em aumentar o nível de rendimento do trigo aqui na região”, concluiu Chagas. (Embrapa Cerrados)