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Polí­tica

Relator do projeto, senador Irajá, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na sessão temática

Relator do projeto, senador Irajá, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na sessão temática Foto: Saulo Cruz/Agência Senado

Foto: Saulo Cruz/Agência Senado Relator do projeto, senador Irajá, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na sessão temática Relator do projeto, senador Irajá, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na sessão temática

A sessão de debates temáticos do Senado sobre o projeto que regulamenta a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional foi marcada pela divergência entre os participantes. Enquanto representantes do governo e da indústria de turismo e eventos, além do relator da matéria, defenderam a aprovação da proposta, com o argumento da geração de emprego e renda no País, outros senadores e debatedores alertaram para o risco de a atividade ser usada pelo crime organizado na lavagem de dinheiro e agravar o vício em jogos, a ludopatia. A sessão ocorreu nessa quinta-feira (8), no Plenário.

Na avaliação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a matéria (PL 2.234/2022) é abrangente e complexa. Por um lado, busca regulamentar atividades que estão há mais de 30 anos na ilegalidade, gerando arrecadação ao Estado; por outro lado, desperta preocupações legítimas da sociedade em relação à ludopatia e suas consequências na saúde mental e financeira da população, ponderou Pacheco. Para ele, o Senado precisa analisar todas as facetas da proposta considerando os impactos para a sociedade brasileira.

"Devemos avaliar cuidadosamente eventuais benefícios, como geração de empregos e receitas para o Estado brasileiro, mas também os riscos e desafios, incluindo prevenção da lavagem de dinheiro e combate ao crime organizado, além do problema social e de saúde pública relativo à ludopatia", ressaltou o senador.

A proposta, que foi apresentada na Câmara dos Deputados em 1991 e está tramitando no Senado desde março de 2022, prevê a criação de dois impostos a partir da autorização do funcionamento de cassinos, bingos, jogo do bicho e aposta em corridas de cavalo no Brasil. A arrecadação será compartilhada com os estados, Distrito Federal, municípios, Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e fundos de esporte e cultura. 

O relator do PL 2.234/2022, senador Irajá Abreu (PSD-TO), alegou que países que já regulamentaram os jogos e apostas cresceram socialmente e economicamente após a decisão. Na opinião dele, é estratégico e necessário buscar colocar o País na rota do turismo no mundo, “dizendo não ao jogo ilegal e clandestino” e impondo limites, regras e fiscalização.

"Se nós compararmos com o G20, que são os países das 20 maiores economias mundiais, em que o Brasil é a oitava maior economia hoje, apenas a Indonésia e o Brasil ainda não legalizaram os jogos e as apostas. Até a Arábia Saudita, que é um país muçulmano, o fez agora, recentemente; um País com restrição quase absoluta. Nem bebida alcoólica se admite vender na Arábia Saudita, para vocês terem uma ideia. E eles também fizeram a regulamentação dos jogos e das apostas responsáveis", comparou Irajá.

Hoje o Brasil recebe anualmente cerca de 6 milhões de turistas estrangeiros, ficando atrás de países da América Latina como a Argentina, que recebe 7,4 milhões turistas por ano. Os defensores da legalização dos jogos argumentam que o turismo brasileiro ganharia importante impulso.

Segundo o secretário nacional de Infraestrutura, Crédito e Investimentos do Ministério do Turismo, Carlos Henrique Sobral, a expectativa, caso a proposta se torne lei, é que o Brasil gere mais de 650 mil empregos com a atividade e tenha um incremento de R$ 74 bilhões na receita. "Vamos ter um investimento de R$ 66 bilhões, mais de 1.000% de aumento de investimento. E o PIB, de 8%, nós chegaremos a 9,2% ou talvez aos dois dígitos, que é a nossa meta. A tendência é, com esses destinos com resort integrado, atingir desenvolvimento econômico, sendo emblemáticos Las Vegas, Macau e Singapura", diz

Ludopatia

Outros participantes do debate se colocaram contrários à legalização. Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), a matéria é nociva para a sociedade por “devastar completamente” valores e princípios dos cidadãos. Ele chamou de falácia as expectativas de crescimento do turismo com a autorização da atividade de jogos e citou pesquisa feita nos Estados Unidos, pelo professor Earl Grinols, indicando que a cada U$ 1 tributado com o jogo, foram gastos pelo Estado U$ 3 com as consequências sociais geradas a partir da autorização da jogatina. 

Ele ainda citou pesquisa do Datafolha mostrando que os beneficiários do programa Bolsa Família já destinam cerca de R$ 100 para realizar apostas esportivas de cota única — as chamadas bets, já autorizadas e regulamentadas no Brasil. Para o senador, o projeto vai estimular ainda mais o vício em apostas, comprometendo a saúde mental e financeira dos brasileiros.

"Vocês sabem o que é que acontece com o suicídio em relação a jogo de azar? Os índices são 12 vezes maiores nas pessoas que têm o vício da ludopatia. A ludopatia é o grande faturamento: cerca de 40% do faturamento dos cassinos são dos ludopatas. Como é que eles vão abrir mão disso? Não vão! Isso é para inglês ver. Isso é o faturamento. O que está aqui em jogo é dinheiro".

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o pastor Silas Malafaia manifestaram a mesma preocupação. Eles ainda alertaram para o risco das facções criminosas e bicheiros usarem recurso gerado por meio de atividades ilegais e da criminalidade para “lavar dinheiro” na atividade regulamentada. A falta de estrutura para fiscalização e controle no Brasil também foi citada.

"O que mais me traz para este debate é a questão da corrupção, da lavagem de dinheiro. Temos notas técnicas da PGR [Procuradoria-Geral da República] e da PF [Polícia Federal], de 2017, que apontavam essa preocupação. Acho que elas ainda têm validade e podemos voltar a perguntar a esses órgãos se eles mudaram a posição, se o Brasil melhorou os seus órgãos de controle. Essa preocupação ainda é muito atual", destacou Damares.

Avanços e controle

O senador Irajá informou que a ludopatia e a criminalidade foram levadas em consideração na construção da proposta. Pensando nisso, o projeto estabelece que as apostas serão feitas somente por meio de pagamento via Pix ou cartão na modalidade de débito. Além disso, traz regras para impedir o empréstimo bancário para essa finalidade.

Sobre a questão da sonegação e lavagem de dinheiro, o relator esclareceu que o método de aposta será passível de auditagem por meio de conta digital, sem permissão para pagamentos em espécie. "Para você participar de um cassino, você precisa abrir uma conta digital com o seu CPF; não é admitida nem a possibilidade de abrir no CNPJ. Todas as apostas que você efetuar, o movimento de apostas e prêmios que você venha a receber, serão transacionados também nessa conta digital na pessoa física. Portanto, todo o processo é passível de auditagem, porque ele tem um lastro, podendo ser fiscalizado pelos órgãos de controle, como a Receita Federal, a Polícia Federal e todos os demais órgãos que desejem, de alguma forma, estabelecer uma relação de transparência com o que está acontecendo nessa movimentação financeira", explicou Irajá.

Especialista em regulação de jogos e apostas, Leonardo Henrique Benites de Prado disse que o ludopatismo é um problema grave, que deve ter cuidado especial, mas ressaltou que a própria indústria do setor tem se preocupado em auxiliar o Estado a propor uma regulamentação séria, preocupada com a segurança jurídica e com a proteção ao praticante. "O problema com a ludopatia atinge uma parcela ínfima da sociedade, e nós não podemos cercear a liberdade da grande maioria porque teremos problema com a minoria. Cerca de 12,5% das pessoas que consomem álcool são alcoólatras. Esse número está muitas vezes maior do que a questão do ludopata".

Regulamentação

O psiquiatra e professor da Universidade de São Paulo (USP) Hermano Tavares, que estuda o tema há 25 anos, disse que apostar impacta o sistema nervoso central, causando dependência no apostador, da mesma forma que o uso de álcool, cocaína e maconha. Ele informou ainda que, no Brasil, 2,5% da população já sofre com dificuldades relacionadas a apostas ou sofreu em algum momento da vida e criticou que a legalização da atividade venha antes da regulamentação, como foi com as bets.

"O jogo, a aposta on-line esportiva traz consigo a aposta on-line dos cassinos, o tigrinho, o cavalinho, tudo aquilo que vocês já estão escutando na imprensa. Muito bem, para isso é preciso que a gente tenha a disposição da regulação efetiva. O que acontece? Nós estamos botando a carroça na frente dos bois. Estamos legalizando e deixando para regulamentar depois", disse.

O secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Régis Dudena, defendeu que o texto assegure a possibilidade de uma regulamentação  responsável e técnica, baseada em dados e evidências e no tempo hábil para que a atividade não venha a se desenvolver sem regras efetivas, como ocorreu inicialmente com a atividade de aposta de cota fixa.

"Temos questões econômicas gerais que devem ser levadas em consideração, como cuidados à captação da poupança popular. Aqui ainda há cuidados específicos relacionados ao setor e sobretudo em sua interação com outros setores econômicos, principalmente o Sistema Financeiro Nacional. Menciono, por exemplo, o cuidado para combate à lavagem de dinheiro, e há sobretudo questões sociais que devem ser endereçadas com cuidados aos apostadores e ao ambiente onde esse jogo irá se dar".

Outros participantes, como o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Manoel Cardoso Linhares, e o gerente de Relações Governamentais da Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape), Lucas Gabriel Barbosa — elogiaram os ajustes já feitos no relatório. Um deles é a alteração proposta pelo senador Irajá que amplia as possibilidades de instalação de cassinos e bingos nas atuais estruturas hoteleiras do País, desde que adaptados para este fim.

No texto original, os cassinos deveriam funcionar em complexos integrados de lazer ou embarcações especificamente construídos para esse fim, o que impediria o setor hoteleiro brasileiro de poder participar das futuras concessões dos resorts integrados que serão implantados no Brasil, caso o projeto se torne lei.

"Esse é o inciso que traz como condicionante, para o estabelecimento de cassinos no nosso país, que esses estabelecimentos contem com infraestrutura para o recebimento de eventos nacionais e internacionais, sociais, artísticos e culturais de grande porte para que possam receber a sua outorga. Essa garantia se repete no texto ao falar das embarcações, e aí para eventos de pequeno porte. Mas eu gostaria de dizer que é essa garantia que vai trazer todos os benefícios para a cadeia de eventos; é essa garantia que traz o posicionamento favorável e o entusiasmo do setor de eventos brasileiro com a aprovação do PL 2.234", acrescentou Lucas Barbosa.

Depoimento

O empresário André Rolim, que sofreu com o vício em jogos de azar por 20 anos, deu seu depoimento pessoal na audiência. Ele relatou ter perdido todo o seu patrimônio e, por várias vezes, ter pensado em colocar fim à vida. Na visão do empresário, o Brasil já enfrenta uma “pandemia silenciosa”, na qual o paciente viciado não tem noção da doença que o acomete.

"Eu deixei de pagar conta de luz para fazer aposta esportiva. Eu deixei de pagar colégio do meu filho para jogar roleta. O bolso do brasileiro é um só. O brasileiro não tem um bolso da aposta, da comida, o bolso do parque, não. O bolso é um só. Ele faz a conta e, se der, vai. Quando a gente está na ativa do vício, ele não faz conta. Eu só queria saber se eu tinha dinheiro para comprar a próxima ficha". (Agência Senado)

Foto: Saulo Cruz/Agência Senado