A infidelidade financeira, caracterizada por comportamentos financeiros ocultos ou enganosos entre parceiros, representa uma ameaça significativa à estabilidade das famílias reconstituídas. Um fenômeno crescente que desafia os limites da confiança interpessoal e da estabilidade familiar, especialmente em contextos de famílias reconstituídas.
Definida como a ocultação ou manipulação de informações financeiras relevantes entre parceiros — como esconder dívidas, manter contas secretas ou mentir sobre gastos —, essa prática pode desencadear efeitos psicossociais severos e, em certos contextos, implicações jurídicas importantes.
Alguns estudos internacionais abordam o tema. O estudo “Financial Infidelity in Blended Families: Determinants and Detriments” destaca que a presença de enteados e a fusão emocional entre os cônjuges estão associadas a uma maior probabilidade de infidelidade financeira, especialmente entre as esposas. Já o estudo de Laditka e Laditka (2023), publicado no Journal of Financial Therapy, oferece evidências empíricas relevantes sobre o tema ao analisar as dinâmicas de infidelidade financeira entre cônjuges com enteados. Os autores concluem que a presença de filhos não biológicos aumenta a probabilidade de comportamentos financeiros sigilosos, sobretudo por parte das mulheres, quando há uma forte identificação emocional com o parceiro.
No contexto brasileiro, a infidelidade financeira pode ter implicações legais relevantes. O Código Civil brasileiro estabelece que os cônjuges têm o dever de mútua assistência e colaboração na administração do patrimônio comum (art. 1.566, inciso III). A ocultação de bens ou dívidas pode ser interpretada como violação desses deveres, podendo influenciar decisões judiciais em casos de separação ou divórcio.
Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) enfatiza o dever dos pais de prover o sustento dos filhos (art. 22). Em famílias reconstituídas, a gestão financeira transparente é essencial para garantir o bem-estar de todos os membros, incluindo os enteados. A infidelidade financeira pode comprometer esse dever, afetando negativamente o desenvolvimento das crianças envolvidas.
A relevância dessa temática é ampliada diante de transformações contemporâneas nas estruturas familiares. Famílias reconstituídas — aquelas formadas por casais em que pelo menos um dos cônjuges tem filhos de relacionamentos anteriores — enfrentam desafios únicos de integração emocional, lealdade dividida e reorganização de recursos. A infidelidade financeira, nesse cenário, revela-se como sintoma de insegurança, competição por recursos e dificuldade de negociação entre membros do novo núcleo familiar (Garbinsky et al., 2020; Jeanfreau et al., 2018).
Do ponto de vista da psicologia financeira, comportamentos de infidelidade financeira podem estar relacionados à ansiedade financeira, à aversão ao conflito e a traços de impulsividade. Esses aspectos requerem não apenas atenção jurídica, mas também intervenção interdisciplinar. Programas de educação (alfabetização) financeira voltados para casais, mediação familiar com foco patrimonial e a atuação de terapeutas financeiros são alternativas preventivas e restaurativas importantes.
*Ahmed Sameer El Khatib é doutor em finanças e doutor em educação, mestre em ciências contábeis e atuariais, graduado em Ciências Contábeis, pós-doutor em Contabilidade e pós-doutor em Administração. Também é graduando e doutorando em Psicologia Clínica e professor e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).