O Projeto Brief, plataforma com a missão de fortalecer a comunicação progressista no Brasil, apresenta nesta terça-feira, 26, o novo estudo dentro da iniciativa Quem Paga a Banda — referente a investigações sobre o financiamento de campanhas, narrativas e redes de influência. O relatório foi feito a partir dos dados da Biblioteca de Anúncios da Meta.
Esta nova edição apresenta os dez maiores investidores da categoria Sociedade. Não foram considerados partidos políticos, pessoas políticas, ações comerciais de marcas, arrecadações de ONGs e perfis assistencialistas, colocando-se o foco nas narrativas e nos conteúdos impulsionados no primeiro semestre de 2025 (de 1 de janeiro a 28 de junho). O relatório pode ser acessado no sitedo Projeto Brief.
O relatório Quem Paga a Banda analisa temas como redefinição de liberdade, catástrofes climáticas exploradas pelas mídias de extrema direita de forma estratégica, a narrativa coordenada conservadora versus os argumentos fragmentados progressistas e aponta personalidades que buscam comercializar a prosperidade.
O estudo mostra não apenas um retrato dos maiores investidores em anúncios, mas se constitui em um raio-x da disputa cultural e política da opinião pública no País.
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No primeiro semestre de 2025, a Brasil Paralelo, segundo maior anunciante com selo político do Brasil em volume de investimentos, aplicou quatro vezes mais do que o Governo do Estado de São Paulo, segundo apurado pelo Projeto Brief. Esse dado ajuda a revelar quem está por trás do financiamento de novas narrativas. A análise também reflete a disputa política por temas sensíveis como liberdade — seja de expressão, financeira ou política — e mostra como a extrema direita vem patrocinando ideias e discursos que buscam redefinir o significado desse termo.
Os enfoques dados à liberdade são usados de três formas estratégicas pelas mídias, segundo se apurou no estudo. A liberdade de expressão é citada frequentemente e usada para reforçar o título de veículos “independentes”, livres de financiamento público que seria associado à censura. Percebe-se que os maiores investidores utilizam a liberdade de expressão como bandeira, apresentando-se como vítimas de censura, perseguição diante da remoção de conteúdos e suspensão de perfis. Esse discurso reforça a ideia de que apenas jornalistas e plataformas “independentes” estariam dispostos a enfrentar o sistema. Nota-se que a narrativa da resistência é transformada em negócio com a venda de cursos e documentários com frases de impacto como “informação independente” ou “liberdade de imprensa”.
A liberdade financeira defende formas de garantir liberdade monetária, proteção contra governos autoritários – se referindo ao progressismo – e apoia a sobrevivência financeira com investimentos de Bitcoin como um meio de limitar o poder do governo. Amplamente associada à prosperidade, é vendida em cursos, fórmulas de sucesso e promessas de independência.
Já a liberdade política é associada à defesa da democracia, mas sob a narrativa de que o Brasil viveria um “estado de exceção”. É usada por jornais e portais conservadores como produto de consumo: assinar veículos “independentes” é apresentado como ato de resistência contra um Estado opressor e uma mídia que assumiu o papel de censor.
O levantamento também aborda a maneira como a catástrofe climática é usada pelo campo conservador. A estratégia de tratar as questões ambientais ou os grupos que sofrem violência por meio de uma questão social consiste em ir a campo entrevistar a população local para dar a sensação de acolhimento e acompanhamento de perto da situação, a fim de vender a ideia de culpabilização e inação do atual governo federal, evidenciando ainda a resistência do povo. Essa iniciativa pode distorcer a informação e confundir a população sobre a real responsabilidade pelos problemas apresentados, considerando as esferas de governo municipal, estadual e federal.
Além disso, detectou-se que a mídia conservadora investe nesse tipo de conteúdo, que gera engajamento devido ao cunho social e de interesse público, resultando em forte impacto de credibilidade já que apresenta pessoas emitindo suas próprias experiências.
O relatório do Quem Paga a Banda ainda analisa a presença progressista dividida e a coordenação conservadora nas redes da Meta. Enquanto o campo progressista se fragmenta na abordagem de temas de importância para a sociedade, mas sem um fio condutor de comunicação único, que geraria identificação, a extrema direita atua de forma unificada e coordenada.
As múltiplas causas abordadas pela esquerda — meio ambiente, diversidade, justiça social, trabalho, democracia, saúde — repercutem como convites frios para consumir relatórios ou assinar petições, sem criar aproximação prévia.
E, do lado dos conservadores, o investimento é em narrativas que despertam conexão emocional antecedendo a mobilização com a repetição dos mesmos termos: liberdade, família e fé.
Outro ponto destacado no estudo é o excesso de foco em críticas e denúncias. Progressistas apontam inimigos, mas raramente apresentam soluções e um caminho a seguir. Em contrapartida, a direita, que igualmente escolhe seus adversários, oferece uma promessa clara de ordem, segurança e liberdade. O contraste é nítido: enquanto um lado fragmenta, o outro coordena.
O relatório deixa claro que a disputa comunicacional não é apenas sobre anúncios, e sim sobre o futuro da democracia brasileira. "São investimentos milionários destinados a influenciar como as pessoas percebem o mundo, mas com uma diferença fundamental: de um lado, um campo que entende plenamente o papel da comunicação para a disputa cotidiana da opinião pública, do outro, um campo que usa anúncios de modo essencialmente tático, quase como um recurso auxiliar de campanhas", afirma Ricardo Borges Martins, coordenador-geral do Projeto Brief.
O ranking também aponta algumas personalidades entre os dez maiores investidores na Biblioteca de Anúncios da Meta. Paulo Guedes, ex-ministro da economia do Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro, por exemplo, ocupa a quarta posição em valor investido em campanhas. Aparece como coach financeiro, apostando na legitimidade técnica e econômica por meio de cursos e comparações internacionais para defender menos Estado e mais liberdade de mercado.
Outro destaque é o do quinto colocado em investimento e primeiro em volume, o influenciador Victor Doné, que segue por outro caminho. Sua estratégia é baseada no volume: sozinho, disparou mais de 16 mil anúncios na Meta em seis meses, uma quantidade 12 vezes maior que o do segundo colocado em investimento, o Brasil Paralelo, e superior à aplicação do próprio Governo de São Paulo no período. Ao todo, foram R$ 469 mil em anúncios pagos, contra R$ 398 mil do governo estadual.
O influenciador Doné investe em narrativas conspiratórias e místicas. Vende o chamado “Código de Deus”, apresentando-o como um segredo milenar acessado apenas pelo 1% mais rico e poderoso. Seus anúncios exploram a frustração popular sobre trabalhar muito e ganhar pouco, mas deslocam a causa da desigualdade do sistema econômico para o campo espiritual. Assim, Doné transforma um problema estrutural em algo de responsabilidade pessoal, afirmando que, se alguém não prospera, é porque ainda não acessou o código.
A plataforma se dedica a produzir análises estratégicas, dados e orientações práticas que ajudam comunicadores, organizações e lideranças a disputar narrativas com mais eficácia no debate público, fortalecendo a comunicação progressista no Brasil. O trabalho está estruturado em três pilares abordando temas políticos complexos de forma acessível e estratégica, a investigação sobre o financiamento de campanhas, o uso de dados e a construção de discursos capazes de mover a opinião pública. Assim como esse estudo, busca trazer informações que resultem no entendimento da política para que a população a compreenda antes de dar o passo para transformá-la.