Em sua obra “Crônica de uma morte anunciada”, Gabriel García Márquez conta a história do homicídio de Santiago Nasar. Toda a cidade sabia dos planos para seu assassinato, mas ninguém tentou impedir o fatídico evento.
Qualquer semelhança com o destino do Banco Master não é coincidência. Quem observa o sistema financeiro já aguardava alguma ação do Banco Central. Estava “precificado”, como costumamos dizer no mercado. Ainda assim, seus dirigentes não mudaram o curso da temerária rota traçada, até chegar ao lamentável destino.
Não há rentabilidade milagrosa em aplicações financeiras de renda fixa, como o CDB, mesmo com a Taxa Selic nas alturas. A oferta de rendimento muito acima do praticado, alcançando 140% do CDI, dispara alarmes óbvios de falta de governança.
O que talvez tenha sido surpresa foi a decisão pela liquidação do banco conjugada com a notícia de fraudes vultosas envolvendo a emissão de títulos de crédito. Fica claro que a realidade era pior do que se percebia.
Antes de uma liquidação efetiva, o Banco Central costuma adotar outras medidas, como o regime de administração especial temporária – RAET, no qual não há suspensão das atividades da instituição, mas seus dirigentes perdem os mandatos e são substituídos por outros profissionais, indicados pelo Banco Central. O objetivo é tentar fazer com que haja reversão do cenário adverso e até mesmo a busca da chamada "solução de mercado", em que outra instituição financeira absorve o banco problemático. Aliás, essa foi uma das formas de crescimento dos grandes players do mercado financeiro na atualidade.
Ao optar diretamente pela instituição da liquidação em conjunto com o RAET, podemos chegar a duas conclusões: a primeira é que o Banco Central não vislumbrava a possibilidade de recuperação para o Master; a segunda, que a ação deveria ser tomada antes da ocorrência de um mal maior. A intenção da Fictor Holding Financeira em adquirir o Banco Master e fazer um aporte de 3 bilhões na instituição só aumentaria o tamanho do problema a ser administrado e foi o gatilho da liquidação. A rapidez do Banco Central pode ser traduzida para o consórcio de investidores dos Emirados Árabes em uma frase: "Nem pense nisso."
Mas se havia uma solução de mercado em vista, por que a liquidação foi decretada? Afinal, nada seria feito sem aprovação do Banco Central (e do Cade).
A verdade é que o Master arriscou demais. Oferecia seus títulos com altíssima rentabilidade ao mesmo tempo em que essas aplicações eram asseguradas pelo Fundo Garantidor de Crédito. O FGC atua como se fosse um seguro, ressarcindo o valor investido e seus rendimentos no caso de intervenção ou liquidação de até R$ 250 mil por CPF/CNPJ.
Ocorre que o FGC é uma associação privada e seus recursos são aportados por várias instituições participantes do sistema financeiro, como bancos comerciais, bancos de desenvolvimento e sociedades de crédito. Ou seja, o Master arriscou, mas a conta será dividida por muitos que não lucraram com suas arriscadas operações.
Para além disso, ainda temos a investigação sobre as fraudes. A prisão de Daniel Vocaro não era esperada. Tampouco a investigada prática criminosa, ultrapassando os limites do risco calculado e da prática de operações alavancadas. Não se sabe a extensão do dano. Só o tempo dirá quantos personagens fazem parte dessa história, que tem potencial para se transformar em, no mínimo, uma trilogia.
As resoluções do Banco objetivam manter a estabilidade e a confiança no mercado financeiro, vitais para uma economia saudável. Não deve haver espaço para aventureiros nessa área e para dirigentes que se omitem e fecham seus olhos diante de uma morte anunciada.
*Professora Dra. Thaís Cíntia Cárnio, docente de Direito Empresarial e Mercado de Capitais da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

