Não chega a ser surpresa ver a Amazônia de volta ao noticiário, com a retomada de altos índices de desmatamento, principalmente em Mato Grosso (107% mais de julho a setembro, comparado com igual período de 2006), Rondônia (mais 53%) e Acre (mais 3%) - com a agravante de 25% do desmatamento ser em áreas protegidas (unidades de conservação e áreas indígenas), que deveriam estar sob vigilância estreita dos governos federal e estaduais (Estado, 16/10). Outras notícias dizem que o índice de desmatamento em toda a Amazônia, nesses três meses, já acusa aumento de 8%. A maior devastação ocorreu exatamente na zona de influência da rodovia BR-163, onde o governo federal criara reservas, assim como na região de Carajás e na Terra do Meio.
Não chega a ser surpresa, porque os técnicos mais informados sobre a região sempre alertaram: a redução do desmatamento nos anos anteriores se devia muito mais a preços baixos na agropecuária do que a avanços no monitoramento e fiscalização. E, de fato, simultaneamente com o avanço no desmatamento se vê que a cotação da soja chegou há poucos dias a níveis recordes na Bolsa de Chicago, ao mesmo tempo que crescem as exportações nacionais de carne. Também não se pode esquecer que o governo federal repassou a competência para licenciar desmatamentos a secretarias estaduais, quando muitos dos governos ou são francamente a favor da expansão das lavouras de soja, pastagens e plantios de cana em áreas florestadas ou não têm estruturas adequadas para essas tarefas.
E pode piorar. A Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados discute projeto de modificação no Código Florestal para reduzir a recomposição de reservas obrigatórias em áreas de floresta de 80% para 50% - o que significaria liberar cerca de 47 milhões de hectares, segundo técnicos (o aumento da reserva legal em áreas de floresta subiu para 80% após o desastre de 1999, quando o índice de desmatamento na Amazônia chegou perto de 30 mil quilômetros quadrados anuais). E o desmatamento, ao contrário do que apregoam seus defensores, não beneficia a população mais necessitada. Segundo o Imazon, os 43 municípios amazônicos que concentram 90% da cobertura florestal removida têm produto bruto inferior em 60% ao produto médio da Amazônia; 30% deles acusaram queda no valor de seu produto entre 2000 e 2004.
As más notícias chegam num momento particularmente delicado, quando se aproxima a reunião da Convenção do Clima, marcada para início de dezembro, em Bali. Ali, certamente haverá um foco centrado na questão amazônica, já que o desmatamento, mudanças no uso do solo e queimadas respondem por quase 75% das emissões brasileiras que intensificam o efeito estufa - quando o Brasil já é o quarto maior emissor do planeta, mas não quer aceitar compromissos de redução. E quando se agravam as notícias sobre problemas com o clima no País.
Nas últimas semanas chegaram informações sobre uma seca inédita (na temperatura e na duração) no Centro-Oeste. Bananal, a maior ilha fluvial do planeta, deixou de sê-lo, ao menos temporariamente, já que secou o Javaé, um dos braços fluviais formadores da ilha. Em Goiás, são muitos os rios que secaram, inclusive parte do lendário Rio Vermelho dos poemas de Cora Coralina. Também no Nordeste e no Tocantins o panorama é grave. São preocupantes os prejuízos com atraso no plantio de milho e soja no Estado de São Paulo, as perdas na floração do café, a falta de pastagens reduzindo a produção leiteira. No País, 6 milhões de pessoas já aforam afetadas este ano por problemas nessa área (Estadão Online, 9/10). Os prejuízos chegam a R$ 4,9 bilhões. E 146,7 mil pessoas foram vítimas diretas de inundações e desabamentos, 40,2 mil ficaram desabrigadas.
Que fará o Brasil em Bali? Já propôs a criação de um fundo internacional para recompensar países que reduzam o desmatamento - mas sem metas obrigatórias. Coincide em parte com o que sugere o presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), Rajendra Pashauri (Estado, 18/10), para quem a Amazônia terá um papel fundamental no clima mundial nas próximas décadas; mas não se deve questionar a soberania brasileira na área. De qualquer forma, ele acha que o modelo utilizado pelos países ricos nas últimas décadas não funcionou em termos ambientais e que Brasil, Índia e China não podem repetir esse modelo, precisam de um novo estilo de vida, novos hábitos alimentares, redução do consumo de carne, mudanças na irrigação. Difícil.
Há dez anos, em novembro de 1997, quando começou a ocupar este espaço, o autor destas linhas, escrevendo sobre a reunião de Kyoto que se aproximava, afirmou que o mundo vivia um impasse dramático - já sabia da insustentabilidade dos modelos vigentes, geradores de mudanças climáticas, mas não conseguia definir novas regras válidas universalmente. Não saiu do impasse. No protocolo ali firmado, o máximo que se conseguiu formular foi uma redução de 5,2% nas emissões dos países industrializados (sobre os níveis de 1990). Mas Estados Unidos (o maior emissor) e Austrália (a maior exportadora de carvão) não homologaram o protocolo. E as emissões continuam crescendo, quando o IPCC diz que seria necessário reduzi-las em dois terços até 2050, para evitar que a temperatura do planeta suba além de 2 graus Celsius - com conseqüências ainda mais dramáticas.
Curioso é que o Brasil apresentou em Kyoto uma proposta de calcular quanto cada país contribuiu com suas emissões para a concentração de gases que já estão na atmosfera - e atribuir a cada um deles uma responsabilidade de redução proporcional a essa contribuição. A proposta foi aprovada em princípio, para ser submetida a novas avaliações científicas. Mas até o Brasil a esqueceu e hoje rejeita qualquer compromisso.
Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br