Diante das pressões dos ruralistas e do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu recuar em uma medida de combate ao desmatamento no Brasil. Ainda no fim de sua gestão, a ex-ministra Marina Silva idealizou uma portaria para punir os responsáveis pela derrubada de árvores na Amazônia e no Cerrado vetando o acesso a recursos públicos.
Após sua renúncia, o governo decidiu excluir das restrições nada menos do que uma área equivalente ao Estado do Acre: cerca de 155 mil quilômetros quadrados entre 96 municípios localizados em Mato Grosso, Maranhão e Tocantins. Produtores incluídos nessa faixa poderão seguir derrubando árvores da floresta e tendo suas atividades financiadas pelo Estado. Na prática, o governo bancará o desmatamento desta região. E não poderá alegar que desconhecia os impactos ao meio ambiente. Justamente nesta área, considerada de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, as formações vegetais características correm risco de desaparecimento.
É o que informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em levantamento divulgado no dia 4. A pesquisa apontou também que 15% da área total da floresta já foi desmatada. Segundo o IBGE, o principal inimigo da floresta é a expansão das atividades agrícolas (sobretudo a monocultura da soja) e pecuárias. O recuo do presidente Lula foi o desfecho de um dos conflitos travados – e perdidos – pela ex-ministra Marina no governo. A portaria 96/2008 foi assinada no final de março. Marina determinou que órgãos públicos cumprissem a resolução 3.545, do Conselho Monetário Nacional (CMN), e interrompessem a concessão de créditos agrícolas para os produtores que desmatam a floresta.
Reação dos produtores
A medida provocou a ira dos proprietários rurais, que usaram o governador Blairo Maggi como porta-voz. O Mato Grosso, Estado líder no desmatamento, seria o mais atingido pela restrição. Dentre os maiores produtores de soja do mundo e aliado do governo Lula, Maggi exerceu forte pressão no governo, o que resultou na decisão do presidente Lula de alterar a portaria. Contou, ainda, com apoio da bancada ruralista, cujos integrantes compõem a base aliada do governo no Congresso.
Para Marcelo Marquezini, do Greenpeace de Manaus (AM), o recuo do governo é uma sinalização perigosa. “Mostra que a lei só serve para a Amazônia. Como pode uma portaria, que tem o papel de reforçar a legislação, recuar? É como se a lei não existisse no Cerrado e não fosse preciso cumprir nenhuma lei ambiental”, acrescenta ele. O anúncio das mudanças foi feito pelo novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Para ele, não houve alteração na lei, mas sim “apenas detalhamento”. Minc diz que a portaria deveria tratar apenas do bioma Amazônia e, por isso, exclui as áreas do Cerrado e de faixas de transição. Prometeu, futuramente, editar portaria semelhante para outros biomas.
Enquanto isso, o governo seguirá financiando o desmatamento. Pior para o meio ambiente. Justamente esta área excluída da portaria possui uma vegetação conhecida como ecótonos, de alta riqueza biológica e que apresenta espécies típicas tanto da Amazônia como do Cerrado (veja box). “A revogação da portaria, liberando créditos àqueles que desmatam a região, é uma clara posição de não cumprimento das leis de preservação. Isso significa que se pode desmatar o Cerrado e ainda conseguir recursos para isso. Existe um paradoxo, pois a preservação da Amazônia depende da preservação do Cerrado”, declara a professora do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB), Jeanine Felfili.
Mais concessões
Mas mesmo com o recuo de Lula, o governador Blairo Maggi e os ruralistas seguem pressionando o governo para que a portaria seja revogada mesmo para as áreas da Amazônia. A nova regra está prevista para vigorar a partir de 1º de julho e incluirá regiões do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. “Defendo que a resolução deixe de existir”, disse o governador.
Segundo o ruralista, o corte dos financiamentos públicos imposto pela resolução do Conselho Monetário Nacional atinge 45% da área agrícola e 42% da produção de Mato Grosso. Em sua opinião, a medida provocaria um dano irreparável à economia local e ao abastecimento de alimentos. Maggi defende que 90% dos agricultores do Mato Grosso dependem do financiamento para produzir, e que o Estado não terá condições de repor a quantia necessária nem os agricultores têm dinheiro disponível.
A mais recente frente de batalha dos ruralistas é um projeto de Decreto Legislativo, de número 13, no qual tentam derrubar, no Congresso, as principais medidas de combate ao desmatamento na Amazônia. O alvo do projeto apresentado pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO) é o decreto 6.321, assinado em dezembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
O decreto estabelece as principais medidas de controle ao desmatamento e visa a atualização cadastral junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) dos imóveis rurais da Amazônia, a fim de monitorar a ocorrência de novos desmatamentos, bem como impedir as ações ilegais e penalizar os infratores. O bloqueio do crédito rural a produtores que tenham desmatado ilegalmente suas propriedades, regulamentado por resolução do Banco Central, seria só uma das vítimas da ação em curso.
Fonte: Capital News