O Diário da Justiça Eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou nesta terça-feira, 11, o acórdão com a decisão da cassação do mandato do governador Marcelo Miranda (PMDB) e seu vice, Paulo Sidnei (PPS), ocorrida na madrugada do dia 26 de junho.
Os advogados das partes terão o prazo de três dias úteis para entrar com embargos e recursos, após a publicação. A edição impressa do Diário está prevista para sair amanhã, quarta-feira.
Clique aqui e confira a íntegra do acórdão a partir da página 28
PUBLICAÇÃO DE DECISÕES Nº 238/2009
ACÓRDÃO
RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA Nº 698 – CLASSE 21ª – PALMAS – TOCANTINS.
Relator: Ministro Felix Fischer.
Recorrentes: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – Estadual e outra.
Advogados: Renatta Lima de Oliveira e outros.
Recorrente: Ronaldo Dimas Nogueira Pereira.
Advogados: Antônio Paim Broglio e outros.
Recorrente: José Wilson Siqueira Campos.
Advogados: Vicente Leal de Araújo e outros.
Recorrido: Marcelo de Carvalho Miranda.
Advogados: Torquato Lorena Jardim e outros.
Recorrido: Paulo Sidnei Antunes.
Advogados: Paulo Leniman Barbosa Silva e outros.
Litisconsorte passivo: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) – Estadual.
Advogados: Pedro Martins Aires Júnior e outro.
Litisconsorte passivo: Partido Popular Socialista (PPS) – Estadual.
Advogados: Fernando Neves da Silva e outros.
Ementa:
RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
1. O conhecimento do fato não é o marco inicial para a atuação da Justiça Eleitoral na apuração de abuso de poder político ou econômico, bem como do uso abusivo dos meios de comunicação, capazes de prejudicar a igualdade de oportunidades nas eleições e a livre manifestação da vontade política popular. O prazo para interposição do recurso contra expedição de diploma é de três dias contados da diplomação. (Precedentes: RCED 761, Rel. Min. Eros Grau, DJ 26.3.2009; RCED 627/CE, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 24.6.2005; RO 725/GO, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, Rel. Designado Min. Caputo Bastos, DJ de 18.11.2005)
2. Para que a petição inicial seja apta, é suficiente que descreva os fatos e leve ao conhecimento da Justiça Eleitoral eventual prática de ilícito eleitoral. A análise sobre a veracidade dos fatos configura matéria de mérito (AgRg no Ag nº 4.491/DF, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 30.9.2005) (REspe nº 26.378/PR, de minha relatoria, DJ de 8.9.2008). No caso, a exordial descreve fatos que configuram, em tese, abuso de poder e captação ilícita de sufrágio, os quais legitimam o ajuizamento de recurso contra expedição de diploma, nos termos do art. 262, IV, 222 e 237 do Código Eleitoral e do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.
3. Não há abuso de poder no fato de o candidato à reeleição apresentar, em sua propaganda eleitoral, as realizações de seu governo, já que esta ferramenta é inerente ao próprio debate desenvolvido em referida propaganda (RP 1.098/DF, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 20.4.2007).
4. No caso, a rede de televisão REDESAT não veiculou, no dia anterior ao do pleito, matéria favorável aos recorridos, depreciando a imagem dos recorrentes. O programa limitou-se a fazer críticas à administração municipal e às promessas realizadas e não cumpridas por parlamentares do Município de Araguaína. O único momento em que se menciona o nome de José Wilson Siqueira Campos – então candidato do partido recorrente – é quando o apresentador rebate algumas acusações que o próprio Siqueira Campos teria feito contra ele nos comícios nas cidades vizinhas a Araguaína.
5. Para que seja considerada antecipada a propaganda, ela deve levar ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, a ação política ou as razões que levem a inferir que o beneficiário seja o mais apto para a função pública. É preciso que, antes do período eleitoral, se inicie o trabalho de captação dos votos dos eleitores (AgRg no Ag 7.967/MS, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJ de 1º.9.2008; A-REspe 23.367/PI, de minha relatoria, DJ de 6.8.2008). Na hipótese, verificou-se que, em algumas oportunidades, a propaganda institucional realmente se desnaturou, na mídia impressa e eletrônica (internet), em promoção pessoal do detentor do cargo público, dada a existência de nítida veiculação do nome do governador, já então, àquele tempo, notoriamente candidato. Observou-se a existência de promoção da imagem do recorrido: a) em algumas publicações na página da internet do governo do Estado sobre o programa “Governo mais perto de você”; b) em publicações na mídia impressa.
6. O exame da potencialidade não se prende ao resultado das eleições. Importam os elementos que podem influir no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral, sem necessária vinculação com resultado quantitativo (RO nº 781, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 24.9.2004; RO 752/ES, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 6.8.2004). No caso, a publicidade considerada irregular foi divulgada tanto pela mídia impressa quanto por entrevista realizada na televisão, em uma oportunidade.
7. A potencialidade da veiculação de publicidade ilegítima em mídia impressa e eletrônica (internet) somente fica evidenciada se comprovada sua grande monta, já que o acesso a esta qualidade de mídia depende do interesse do eleitor, diferentemente do que acontece com o rádio e a televisão (REspe 19.438/MA, Rel. Min. Fernando Neves, Rel. Designado Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 14.11.2002; RO 725/GO, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, Rel. Designado Min. Caputo Bastos, DJ de 18.11.2005). No caso, não é possível se extrair da prova dos autos a repercussão que as divulgações, consideradas promocionais, obtiveram no Estado de Tocantins.
8. A cassação do registro ou do mandato, com fundamento no art. 41-A da Lei nº 9.504, de 1997, só pode ocorrer quando existir prova robusta e inconteste da captação ilícita de sufrágio (REspe nº 25.535/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ de 8.8.2006). No caso, apesar de incontroverso o fato de que inúmeros cargos foram criados e diversos servidores nomeados para cargos comissionados, a prova dos autos não revela, com clareza, que tais atos foram praticados em troca de votos (captação ilícita de sufrágio). Ressalto, desde já, todavia, que tal afirmação não exclui a existência de abuso que pode ser revelada pelo fato de que as nomeações foram utilizadas para promoção do candidato, com prova de potencialidade (arts. 222 e 237 do Código Eleitoral e 22 da Lei Complementar nº 64/90).
9. À Justiça Eleitoral não cabe julgar a eventual prática de ato de improbidade. Compete a este c. Tribunal investigar, tão somente, a ocorrência de eventual interferência ilícita no pleito, seja política ou econômica, visando a beneficiar e fortalecer candidaturas (Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 18.11.2005).
10. O abuso do poder político ocorre quando agentes públicos se valem da condição funcional para beneficiar candidaturas (desvio de finalidade), violando a normalidade e a legitimidade das eleições (Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, AgRgRO 718/DF, DJ de 17.6.2005; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, REspe 25.074/RS, DJ de 28.10.2005).
11. O art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/97 veda a transferência voluntária de recursos nos três meses que antecedem as eleições, exceto para as obras e serviços que estejam “em andamento e com cronograma prefixado”. No caso, não há prova de que os respectivos objetos não estavam efetivamente em execução na data de sua assinatura.
12. O c. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 3.741/DF, de 6.8.2006, rel. Min. Ricardo Lewandowski, assentou que a aplicabilidade imediata da Lei nº 11.300 não viola o princípio da anterioridade eleitoral, uma vez que suas normas não alteraram o processo eleitoral, mas estabeleceram regras de caráter eminentemente procedimental que visavam à promoção de maior equilíbrio entre os candidatos. No mesmo sentido, o e. TSE já se manifestou no AG 8.410, DJe de 16.6.2009, Min. Joaquim Barbosa e no REspe 28.433, de minha relatoria, DJe de 27.3.2009, que “é evidente que não há vício eleitoral na criação da Lei que instituiu o já comentado programa de facilitação de obtenção de CNHs para pessoas carentes. Todavia, a execução deste programa, em homenagem ao princípio da legalidade, deveria ter sido imediatamente interrompida após a edição da Lei nº 11.300/2006”.
13. O art. 73, V, da Lei nº 9.504/97 veda, nos três meses que antecedem ao pleito, as condutas de “nomear, contratar ou, de qualquer forma, admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito [...]”, sua alínea a impõe ressalva quanto a “nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança”. Entretanto, é necessário que se apure a existência de desvio de finalidade. No caso, por um lado, estes cargos comissionados foram criados por decreto, com atribuições que não se relacionavam a “direção, chefia e assessoramento”, em afronta ao disposto no art. 37, V, CR/88; por outro, os decretos que criaram estes cargos fundamentaram-se na Lei Estadual nº 1.124/2000, sancionada pelo governador anterior, cuja inconstitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal apenas em 3.10.2008 (ADIn 3.232, 3.390 e 3.983, fls. 10.886-10.911). Abuso de poder caracterizado com fundamento: a) no volume de nomeações e exonerações realizadas nos três meses que antecederam o pleito; b) na natureza das funções atribuídas aos cargos que não demandavam tamanha movimentação; c) na publicidade, com nítido caráter eleitoral de promoção da imagem dos recorridos, que foi vinculada a estas práticas por meio do programa “Governo mais perto de você”.
14. No caso, configurado abuso de poder pelos seguintes fatos: a) doação de 4.549 lotes “às famílias inscritas no programa Taquari” por meio do Decreto nº 2.749/2006 de 17.5.2006 que regulamentou a Lei nº 1.685/2006; b) doação de 632 lotes pelo Decreto nº 2.786 de 30.06.2006 que regulamentou a Lei nº 1.698; c) doação de lote para o Grande Oriente do Estado de Tocantins por meio do Decreto nº 2.802, que regulamentou a Lei nº 1.702, de 29.6.2006; d) doações de lotes autorizadas pela Lei nº 1.711 formalizada por meio do Decreto nº 2.810 de 13.6.2006 e pela Lei nº 1.716 formalizada por meio do Decreto nº 2.809 de 13 de julho de 2006, fl. 687, anexo 143); e) 1.447 nomeações para cargos comissionados CAD, em desvio de finalidade, no período vedado (após 1º de julho de 2006); f) concessão de bens e serviços sem execução orçamentária no ano anterior (fotos, alimentos, cestas básicas, óculos, etc. em quantidades elevadíssimas) em 16 municípios, até 29 de junho de 2006, por meio de ações descentralizadas no “Governo mais perto de você”.
15. Verificada a nulidade de mais de 50% dos votos, realizam-se novas eleições, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral.
Recurso a que se dá provimento para cassar os diplomas dos recorridos.
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em rejeitar as preliminares, prover o recurso e determinar a realização de novas eleições; por maioria, em assentar que as novas eleições deverão ser realizadas indiretamente e, também por unanimidade, em determinar que a execução da decisão se dará com o julgamento de eventuais embargos de declaração, nos termos das notas taquigráficas.
Presidência do Sr. Ministro Carlos Ayres Britto. Presentes a Sra. Ministra Eliana Calmon, os Srs. Ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Felix Fischer, Marcelo Ribeiro, Arnaldo Versiani e o Dr. Antonio Fernando de Souza, Procurador-Geral Eleitoral.
Brasília, 25 de junho de 2009"