Ao julgar em plenário o primeiro caso concreto em que se discute o indeferimento
de um registro de candidatura por condição de inelegibilidade prevista na
chamada Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
firmou entendimento no sentido de que a Lei é aplicável para as eleições gerais
deste ano, mesmo tendo sido publicada a menos de um ano da data das eleições.
Por 5 votos a 2 os ministros entenderam que, no caso, a Lei da Ficha
Limpa não viola o princípio da anterioridade ou anualidade previsto no artigo 16
da Constituição Federal. Tal dispositivo afirma que “a lei que venha a alterar o
processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, mas não se
aplicará à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
A
discussão em plenário teve início com o julgamento de um recurso interposto por
Francisco das Chagas Rodrigues Alves, candidato a deputado estadual no Ceará,
que teve seu registro de candidatura negado pelo Tribunal Regional Eleitoral
daquele estado (TRE-CE) com base na Lei da Ficha Limpa. O julgamento começou no
último dia 12 de agosto e foi retomado hoje para apresentação de voto-vista do
presidente da Corte.
O ministro Ricardo Lewandowski considerou que a Lei
da Ficha Limpa não promoveu alteração no processo eleitoral que rompesse com as
regras atuais, mas apenas que foi criado um novo regramento linear e isonômico
que levou em conta a vida pregressa dos candidatos, de forma a procurar
preservar a moralidade das eleições no que chamou de princípio da prevenção.
Na avaliação do presidente do TSE, questões relativas à inelegibilidade
não se inserem naquelas que alteram o processo eleitoral, como normas que tratam
de votos, cédulas e urnas eletrônicas e a organização das seções eleitorais e de
escrutínio.
Segundo Lewandowski, o artigo 16 da Constituição pretende
vedar “mudanças casuísticas”, que possam beneficiar este ou aquele candidato, o
que em sua avaliação não ocorre no caso da Lei da Ficha Limpa. Assim, o
ministro-presidente afastou a alegada violação do artigo 16 da Constituição
Federal pela LC 135/2010, sendo acompanhado pelos ministros Arnaldo Versiani,
Cármen Lúcia, Aldir Passarinho Junior e Hamilton Carvalhido.
AnualidadeJá os ministros Marcelo Ribeiro
(relator) e Marco Aurélio entenderam que a LC 135/2010 é inaplicável nas
eleições gerais deste ano. Para eles, ao estabelecer causas de inelegibilidade a
LC 135/2010 interfere no processo eleitoral e fere o princípio da anualidade
previsto no artigo 16 da Constituição. “Se disciplina de inelegibilidade não
altera o processo eleitoral, que disciplina então altera esse mesmo processo
eleitoral?”, indagou o ministro Marco Aurélio ao se referir às novas condições
de inelegibilidade criadas a partir da edição da Lei da Ficha Limpa. Segundo o
ministro, a LC 135 também fere o princípio da irretroatividade da lei, que em
sua avaliação é uma condição de segurança jurídica. Para ambos os ministros, a
inelegibilidade não significa pena do ponto de vista penal, mas também não deixa
de ser do ponto de vista eleitoral.
MéritoAo
iniciar o julgamento do mérito do recurso interposto por Francisco das Chagas, o
relator da matéria, ministro Marcelo Ribeiro votou pelo provimento do recurso
para derrubar a inelegibilidade imposta pelo TRE-CE e deferir o registro de
candidatura para Francisco das Chagas.
Para o ministro Marcelo Ribeiro a
lei não poderia retroagir para aplicar sanção que não foi tratada quando da
prolação da sentença. “Penso que nos casos em que a configuração da
inelegibilidade decorrer de processo em que houver apuração de infração
eleitoral, não se pode aplicar nova lei retroativamente para cominar sanção não
prevista na época dos fatos, alcançando situações já consumadas sob a égide de
lei anterior, sobretudo quando acobertadas pela intangibilidade da coisa
julgada”, ressaltou Marcelo Ribeiro.
Já o ministro Arnaldo Versiani
divergiu e negou provimento ao recurso, mantendo a decisão do TRE do Ceará que
julgou Francisco das Chagas inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa. Para
Versiani, de qualquer forma Francisco das Chagas estaria inelegível até 2012,
com base na Lei das Inelegibilidades (LC 64/90), uma vez que a condenação se deu
em 2004 e o tornou inelegível por 8 anos.
Segundo Versiani,
inelegibilidade não é pena e as únicas formas em que a lei se refere a esse tipo
de sanção é quando há abuso de poder econômico, abuso de poder político ou uso
indevido dos meios de comunicação, o que não se verifica no caso em análise que
foi de captação ilícita de votos.
O julgamento foi interrompido quando a
votação estava em 1x1 e a ministra Cármen Lúcia pediu vista.
O
caso Francisco das Chagas foi condenado por captação ilícita de
votos com base no artigo 41-A da Lei das Inelegibilidades (LC 64/90). A decisão
transitou em julgado em 2006 e ele foi considerado inelegível por oito anos a
contar das eleições de 2004, quando disputou o cargo de vereador pelo município
de Itapipoca (CE) e foi julgado por crime eleitoral – captação ilegal de
votos.
Nas eleições de 2010 ele pretendia disputar o cargo de deputado
estadual, mas como foi considerado inelegível teve seu registro indeferido.
Inconformado recorreu ao TSE. É este recurso que está em discussão no plenário
da Corte.