Que os índices da violência no Brasil são alarmantes, disto não podemos nem ousamos duvidar. Todavia, o maior susto que causa é saber que a origem deste mal vem de quem possui, entre outros, a maior gama de “garantias” na ordem constitucional vigente. E em se tratando de “menores”, sempre o assunto gera polêmica e disparates, quase indo, na maioria das vezes, aos extremos mais vertiginosos.
Neste instante, é prudente conceituar dois temas muito presentes quando o assunto diz respeito à violência e criminalidade. Violência é o ato físico, nem sempre acompanhado de tipicidade legal, ou seja, nem sempre cometendo-se crime. Já criminalidade refere-se à pratica de delitos, muitos deles sem o uso da violência. Contudo, as ocorrências demonstram que a violência e a criminalidade acabam se convergindo em muitos casos: nos homicídios, nos estupros, nos assaltos, no vandalismo, entre outros casos.
A bem da verdade uma quantidade assoberbada de elementos protecionistas, transformaram o indivíduo menor de 18 anos em um ser híbrido, quase intocável. Não podem ser contratados, sob o risco de ser alegado “exploração do trabalho”, nem tampouco podem ser criminalizados, pois são “inimputáveis”. E o resultado disto é a transformação de uma geração que não respeita nem possui limites a respeitar. Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, de carta garantista se transforma em um verdadeiro “salvo-conduto” para a impunidade.
E disto surge a seguinte e pertinente inquirição: jovens com 16 anos já podem escolher os governantes na nação, mas não podem responder diretamente por seus crimes. Porque? A base disto encontra-se na tão questionada Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que de um modo geral, tratou adolescentes e jovens com a mentalidade social ainda insólita, conforme os moldes sociais dos anos 90. O avanço da tecnologia da informação, a relativização de valores morais, e, nesse ponto me considero conservador mesmo, além do descalabro midiático em divulgar essa relativização, moldaram a mentalidade juvenil do novo século com foco única e exclusivamente nas “garantias” e não nas “obrigações”.
Ainda neste sentido, no que diz respeito à imputabilidade, temos presenciado a criação de uma geração de “profissionais do crime” que se permitem ser ferramentas de uso, sobretudo do crime organizado, pois, confiantes na impunidade e na flexibilidade do ECA, perpetram as mais atrozes barbaridades, com perícia de adulto. E esta realidade, de certo modo, foi facilitada pela letargia do direito e do legislativo brasileiro. Afirmo isto pois o Direito, como ciência reguladora de condutas, precisa acompanhar a evolução (ou involução) social e o que aconteceu foi exatamente a estagnação do Direito Penal, por muito tempo. Vale dizer que nosso Código Penal é da década de 40, recebendo algumas e atrasadas alterações recentemente e que, por certo, já deixam de cumprir com as necessidades mais exponenciais da sociedade. Evidente que a discussão legislativa precisa ser exaustiva, contudo, medidas mais eficazes precisam ser aplicadas.
Assim sendo, não há que duvidar que a extinção, ou no mínimo a redução da maioridade civil, e via de consequência, da imputabilidade penal seria um remédio útil. Por certo, as causas e as razões para a prática criminal são objeto de discussões mais profundas, mas no momento, o monstro a ser combatido é exatamente essa parcela de cidadãos acobertados por medidas verdadeiramente deformadoras no sentido social. As punições seriam as mesmas, dado o grau de reprovabilidade do ato, independente se perpetrado por criança, jovem ou adulto. Por outro lado, é necessário aprimorar a ideia de incluir nas sentenças condenatórias o dever da indenização pecuniária à vitima ou aos que ficaram. Brasileiro infelizmente só se educa se a punição atingir suas economias.
Se hoje chegamos a esta infeliz realidade de instabilidade social, vitimas e prisioneiros em nossa própria liberdade, devemos refletir principalmente nas bases que estão sendo construídas na sociedade atual. Reduzir ou extinguir a maioridade penal seria exatamente uma medida eficaz e rápida para, pelo menos, desestabilizar a sensação de impunidade e diminuir a insegurança de quem, frustrado, viu um algoz não receber na medida justa a reprimenda para o ato criminoso cometido.
É o que esperamos, diante da incontestável crise institucional, social e civil que estamos a viver e que conduz incontinenti esse País a dias piores.
*Marcos Reis é advogado criminalista, escritor e professor de Direito Constitucional e Direito Penal. Autor de diversos artigos do gênero. Natural de Belém/PA. Pertence à Academia Paraense de Letras.