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Estado

Foto: Divulgação

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O lavrador aposentado Virgílio Cachoeira de Oliveira, morador da pequena cidade de Aurora do Tocantins/TO, localizada a cerca de 500 quilômetros de Palmas, passou 98 anos sem ter como provar que nasceu em 2 de agosto de 1915, no povoado da Ilha do Bananal, município de Taguatinga. Ele é filho de Maria Cachoeira de Oliveira e de Manoel Cachoeira de Oliveira. Depois de tanto tempo, esses detalhes vão constar do primeiro Registro Civil de Nascimento da vida de Virgílio, garantido por sentença do juiz Jean Fernandes Barbosa de Castro, do Fórum da Comarca de Aurora do Tocantins, de 26 de março deste ano.

Sem dispor de nenhum tipo de documento, Virgílio começou a resgatar sua história em outubro do ano passado, quando procurou a assistência da Defensoria Pública local na busca de autorização para tirar um registro de nascimento tardio. Na última quinta-feira (10/4), por telefone, ele comemorou a sentença judicial: “Estou gostando, estou muito feliz, porque eu nunca tive um documento na vida”. 

Segundo a sentença do juiz, Virgílio alegou nunca ter tirado o registro de nascimento por conta de dificuldades financeiras e de inadaptação cultural. A decisão relata também que informações dos cartórios de registros de pessoas naturais da região confirmam a inexistência de documentos em seu nome. Além disso, o juiz se refere a depoimento prestado à Defensoria Pública pelo oficial do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais de Taguatinga/TO, município onde Virgílio nasceu. O oficial informa conhecê-lo há muitos anos e confirma que ele nunca teve registro de nascimento.

O juiz, ao justificar sua decisão, escreveu que “o nascimento é um fato biológico que possui importantes efeitos e conseqüências jurídico-sociais, daí a necessidade de seu registro e publicidade no cartório de registro civil competente”. 

Em outro trecho, o magistrado trata das conseqüências que a situação vivida pelo ex-lavrador pode trazer: “A ausência do registro de nascimento, em que pese não impeça a pessoa de adquirir e exercer direitos, visto que tais prerrogativas decorrem da personalidade, acarreta sérios e inimagináveis prejuízos, mormente para um ser humano que, ao que tudo indica, viveu quase 100 anos sem ser registrado. Sem dúvidas, isso constitui verdadeiro atentado aos direitos fundamentais e, consequentemente, à dignidade da pessoa humana”.

Virgílio vive em regime de união estável com Maria Pereira da Silva, e dessa união nasceram quatro filhos. Um deles, Ercílio Pereira da Silva, de 42 anos, é lavrador como o pai. “Trabalho na roça direto, acordo cedo. Estou feliz porque o meu pai conseguiu o que ele queria”, disse.

O idoso é um dos 3.625 habitantes (IBGE, estimativa 2013) de Aurora do Tocantins, cidade que vive da agropecuária e do turismo. É lá onde fica o Rio Azuis, com apenas 147 metros de águas cristalinas, que tem fama de ser “o menor rio do mundo”, história tão inusitada quanto a do seu Virgílio.

Sub-registro

O caso do cidadão do Tocantins é um emblemático exemplo de sub-registro de nascimento. No Brasil, diversas instituições, entre as quais a Corregedoria Nacional de Justiça, participam de um esforço conjunto pela sua erradicação. Em setembro de 2010, o órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento nº 13, que dá a crianças nascidas em qualquer estabelecimento de saúde, público ou privado, o direito de contar com a certidão de nascimento no momento da alta da mãe. A emissão do documento pela maternidade é gratuita e feita por meio de sistema online.

A medida vale para todos os estabelecimentos de saúde e registradores que queiram participar do sistema interligado de certidão de nascimento. O registro do bebê é feito por meio de unidades  interligadas, que garantem a comunicação imediata e segura entre os cartórios e as maternidades.

Em 5 de fevereiro do ano passado, o corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, baixou o Provimento nº 28, que regulamenta o registro tardio de nascimento, ou seja, feito depois do prazo previsto na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973). Segundo essa lei, o prazo é de 15 dias após o parto se o local do nascimento ou a residência dos pais ficar a menos de 30 quilômetros da sede do cartório. Se essa distância ultrapassar 30 quilômetros, o prazo é de três meses.

Como o senhor Virgílio levou 98 anos para solicitar o documento, o Provimento nº 28 foi uma das bases da decisão do juiz Jean Fernandes Barbosa de Castro, que citou a norma da Corregedoria Nacional de Justiça na sentença. (CNJ)