Durante sessão iniciada na tarde deste último sábado, 20 de maio, e só encerrada no início da madrugada deste domingo, 21 de maio, a OAB Nacional decidiu que vai ingressar com pedido de impeachment do presidente da República, Michel Temer (PMDB). A decisão contou com o respaldo da Seccional Tocantins da Ordem.
Após oito horas de muito debate, o placar favorável ao pedido de impeachment foi de 25 x 1. O único voto contrário foi da bancada do Estado do Amapá e, o Acre, não conseguiu mandar conselheiros federais por falta de voos – a sessão extraordinária havia sido marcada na sexta-feira, 19 de maio.
Pelo Tocantins, estiveram presentes o presidente da instituição, Walter Ohofugi, e os conselheiros federais Solano Donato Damascena e Pedro Biazotto.
Para Ohofugi, a sessão histórica mostrou maturidade de todos com o momento delicadíssimo que o Brasil vive. Ele lamentou que a instituição tenha que aprovar o segundo impeachment em um ano. “Lamentavelmente, a classe política brasileira parece não se conscientizar da importância de termos um país onde as autoridades presem pela retidão e a honestidade”, frisou.
O conselheiro Solano destacou que o relatório pedindo o impeachment foi aprovado porque existe indícios mínimos de que o presidente Michel Temer tenha cometido crimes de responsabilidade. Ele lembrou que OAB não está julgando o presidente e nem a confiabilidade das provas. “Isso fica para o processo de impeachment aberto”, ressaltou.
Pedro Biazotto, por sua vez, disse que o voto da bancada do Tocantins, além de considerar o relatório e os indícios de crime de responsabilidade, respaldou o posicionamento do Conselho Seccional Pleno da OAB-TO, que em sessão extraordinária na sexta-feira, 19 de maio, decidiu apoiar o pedido de impeachment por unanimidade. “Votamos aqui conforme a advocacia do nosso Estado quer e entende ser o correto”, frisou.
A sessão
Na sessão, os conselheiros acolheram voto proposto por comissão especial que analisou as provas do inquérito. O pedido deve ser protocolado na Câmara dos Deputados nos próximos dias.
O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, registrou que este era um momento de tristeza para a OAB. “Estamos a pedir o impeachment de mais um presidente da República, o segundo em uma gestão de 1 ano e 4 meses. Tenho honra e orgulho de estar nessa entidade e ver a OAB cumprindo seu papel, mesmo que com tristeza, porque atuamos em defesa do cidadão, pelo cidadão e em respeito ao cidadão. Esta é a OAB que tem sua história confundida com a democracia brasileira e mais uma vez cumprimos nosso papel”, afirmou.
Lamachia, então, elencou uma série de medidas tomadas pela OAB no combate à corrupção, como o fim do investimento privado em eleições, fim de doações ocultas, transparência no BNDES, criminalização do caixa 2, Súmula Vinculante contra o nepotismo, fim da imunidade parlamentar contra crimes comuns, fim do voto secreto em cassações de mandato, pagamento de contas públicas em ordem cronológica, contra a compra de votos.
“Este é o trabalho de todos os advogados brasileiros. Agradeço aos conselheiros e diretores, assim como à Comissão que, em dois dias, foram chamados a participar de forma direta desse processo. Estamos com o sentimento correto de que agimos com responsabilidade, mas acima de tudo olhando para o Brasil, porque queremos um país melhor para nossos filhos, banindo de nossa sociedade a corrupção. O nosso partido é o Brasil e nossa ideologia, a Constituição”, finalizou.
De acordo com a comissão especial, convocada pela diretoria da OAB Nacional, Michel Temer teria falhado ao não informar às autoridades competentes a admissão de crime por Joesley Batista e faltado com o decoro exigido do cargo ao se encontrar com o empresário sem registro da agenda e prometido agir em favor de interesses particulares. O parecer da comissão foi lido pelo relator da comissão, Flávio Pansieri, que teve como colegas de colegiado Ary Raghiant Neto, Delosmar Domingos de Mendonça Júnior, Márcia Melaré e Daniel Jacob.
Lamachia classificou a atual crise brasileira como sem precedentes sob todos os aspectos. “A velocidade e a seriedade dos fatos impõe que façamos o que sempre prezou esta gestão: colher posição do Conselho Federal da Ordem. Quero registrar que a confiança e o apoio de todos os conselheiros têm sido fundamentais para que possamos vencer os desafios que temos. A responsabilidade que OAB e advocacia tem é muito grande”, afirmou.
O presidente da OAB explicou ainda que somente convocou a reunião extraordinária após ter acesso aos autos do processo que investiga o presidente da República, Michel Temer, no Supremo Tribunal Federal. “Assim como fizemos ao analisar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, afirmei que não convocaria sessão baseado apenas em notícias de jornais e fiz o mesmo desta vez: só o faria com dados formais e oficiais do processo”, afirmou, lembrando que, como da outra vez, o presidente da República pôde se defender no Plenário. “Uma demonstração de que priorizamos a democracia e a independência, não criando situações díspares”.
Os conselheiros federais se revezaram ao microfone para denunciar a atitude do presidente da República, Michel Temer. Foi execrado o encontro do mandatário da República com um empresário investigado em mais de cinco operações da Polícia Federal e o conteúdo dos diálogos travados. Os advogados concluíram que, ao não denunciar Joesley após ele admitir ter corrompido dois juízes e um procurador, Temer faltou com o decoro e feriu a Lei do Servidor Público. Também teria agido em favor dos interesses pessoais de Joesley em detrimento do interesse público.
Mais cedo, os conselheiros federais, após exaustiva deliberação, decidiram que não era procedente o pedido dos advogados de Michel Temer para mais tempo para análise dos fatos antes de apresentar sua defesa. Para a OAB, como o pedido de abertura de processo de impeachment não é um julgamento em si, a defesa deverá ser feita no Congresso Nacional. De qualquer forma, os advogados falaram por cerca de 20 minutos e foram convidados a se manifestar novamente durante a análise do mérito da questão.
Os advogados Gustavo Mendes e Carlos Marun, que também é deputado federal, falaram no Plenário e pediram mais prazo para que a defesa do presidente pudesse apreciar o voto proferido pelo conselheiro federal, Flávio Pansieri. No ano passado, o mesmo aconteceu na sessão que debateu o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, falou em defesa da presidente o então advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. Marun insistiu no pedido de prazo para a defesa do presidente Temer para que os advogados tenham contato efetivo com voto do relator e assim possam apresentar as razões para que não haja um encaminhamento pelo impeachment do presidente pelo Conselho Pleno da Ordem.
O pedido, porém, foi rejeitado por 19 x 7, com a OAB optando pelo mesmo procedimento adotado com Dilma.
Parecer
Para a Comissão, o presidente da República infringiu a Constituição da República (art. 85) e a Lei do Servidor Público (Lei 8.112/1990) ao não informar à autoridade competente o cometimento de ilícitos. Joesley Batista informou ao presidente que teria corrompido três funcionários públicos: um juiz, um juiz substituto e um procurador da República. Michel Temer, então, ocorreu em omissão de seu dever legal de agir a partir do conhecimento de prática delituosa, no caso, o crime de peculato (Código Penal, art. 312).
“Se comprovadas as condutas, houve delito funcional em seu mais elevado patamar político-institucional. Há dever legal de agir em função do cargo. Basta a abstenção. São crimes de mera conduta, independentemente de resultado”, afirmou Pansieri. “O que fizemos hoje foi tentar romper com o que a percepção do ‘assim é que sempre foi’ e elaboramos esse parecer. OAB e a história da entidade está acima de nossas histórias pessoais. Viemos aqui para fazer a coisa certa, em prol de um país diferente.”
A Lei do Servidor Público prevê em seu art. 116 é dever levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração.
O presidente da República também teria procedido de maneira incompatível com o decoro exigido do cargo, condição previstas tanto na Constituição da República quanto na Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950), por ter se encontrado com diretor de uma empresa investigada em 5 inquéritos. O encontro ocorreu em horário pouco estranho, às 22h45, fora de protocolo habitual, tanto pelo horário quanto pela forma, pois não há registros formais do encontro na agenda do presidente.
Na conversa entre Temer e Joesley se verifica esforço aparente em se buscar nome favorável aos interesses da companhia para atuar como presidente do Cade e por favorecimento junto ao ministro da Fazenda. Isso também seria falta de decoro por interceder em interesses de particulares, os favorecendo em detrimento do interesse público.
O relator Flávio Pansieri traçou um histórico do instituto do impeachment na ordem jurídica brasileira e lembrou que a OAB foi instada a atuar em outros momentos da história, como com os ex-presidentes Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. Também explicou que as crises vivenciadas no sistema presidencialista, como o brasileiro, são mais graves e aguda e é assim que se encontra o Brasil. (Atualizada às 20h)