Está em trâmite no Senado a aprovação de conversão em lei da Medida Provisória 775, aprovada em abril desse ano que trará alterações na Lei 12.810/2013. Esta legislação trata do parcelamento de débitos com a Fazenda Nacional relativos às contribuições previdenciárias de responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, e que também altera outras leis, mas que, em razão de emenda aditiva também influenciará diretamente na vida dos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).
De acordo com o vice-presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Wilson Rascovit, atualmente, os contratos de financiamento possuem como garantia a alienação fiduciária. “A alienação fiduciária foi instituída pela Lei 9.514/97, sendo que, em seu artigo 27, parágrafo 5º, consta expressamente que ‘se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no parágrafo 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata oparágrafo 4º’”.
No entanto, o advogado explica que, em razão de proposta apresentada pelo deputado federal Ricardo Izar (PP/SP), a situação parece que vai mudar, e para pior para os mutuários. “Em proposta de emenda aditiva à medida provisória 775, de 2017, o ilustre deputado requereu a inserção de um artigo na lei de conversão da MP que terá a seguinte redação:
‘Art. Se, após a excussão das garantias constituídas no instrumento de abertura de limite de crédito, o produto resultante não bastar para quitação da dívida decorrentes das operações financeiras derivadas, acrescida das despesas de cobrança, judicial e extrajudicial, o tomador e os prestadores de garantia pessoal continuarão obrigados pelo saldo devedor remanescente, não se aplicando, quando se tratar de alienação fiduciária de imóvel, o disposto nos parágrafos 5º e 6º, do artigo 27, da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997’”.
A emenda aditiva proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 15 de agosto de 2017 e foi levada à apreciação e votação para o Senado no dia 16 de agosto de 2017.
Antes mesmo de entrar na questão da modificação proposta, Wilson Rascovit diz que é necessário destacar qual foi a real intenção da Medida Provisória 775. “Vigorando desde 7 de abril de 2017, a medida provisória tem como finalidade, em sua essência, alterar a Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013, para dispor sobre a constituição de garantias e ônus sobre ativos financeiros e valores mobiliários objeto de registro ou de depósito centralizado”.
Conforme o vice-presidente da ABMH, na prática, a intenção da medida era garantir aos financiadores a possibilidade de averbar em algum lugar a existência de um a garantia sobre algum título de crédito. “Por exemplo: o banco empresta um dinheiro para empresa A, que dá como garantia ações negociadas em bolsas de valores. Anteriormente, não havia uma forma de levar a conhecimento de terceiros que essas ações garantiam um contrato de empréstimo e que, com isso, não poderiam ser negociadas com terceiros de boa-fé”.
Agora, como explica Wilson Rascovit, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está autorizada a dispor sobre a forma de constituição de gravame sob a ação negociada em bolsa de valores (parágrafo 4º do artigo 26, da Lei 12.810/13, alterado pela MP 775 de 2017). “O âmbito inicial da lei era conceder a instituições financeiras uma forma de dar publicidade a um negócio jurídico para maior segurança das relações financeiras e para terceiros que poderiam ser prejudicados em alienações de valores mobiliários e ativos financeiros que antes não tinham essa perspectiva”.
Entretanto, ocorre que, ao ser levada para o Congresso Nacional para conversão em lei, a MP 755 sofreu alterações das quais destaca-se a inclusão de um artigo, de autoria do deputado federal Ricardo Izar. “A proposta do excelentíssimo deputado extrapola a finalidade da MP, primeiro por expandir sua eficácia para os negócios firmados sob o âmbito do SFH e SFI, segundo por impor alteração indireta da Lei 9.514/97”, pontua Wilson Rascovit.
Atualmente, o mutuário que tem seu imóvel levado a leilão chega nessas condições porque, obviamente, não tem recursos para arcar com as prestações de seu financiamento. “De acordo com a atual disposição da Lei 9.514/97, caso seu imóvel seja arrematado em segundo leilão por lance inferior ao valor da dívida e demais encargos, considera-se extinta a dívida, ou seja, o mutuário não deve mais nada para o banco. E também, destaque-se, o banco não deve devolver ao mutuário tudo aquilo que já investiu no imóvel, seja pela entrada, pelo FGTS ou pelo pagamento das prestações até a execução do contrato”.
O vice-presidente da ABMH avalia a proposta do ilustre deputado como esdrúxula considerando o atual cenário econômico do país, bem como a imposição de um privilégio a uma classe que já foi recentemente beneficiada pela Lei 13.465/2017, que concedeu diversos benefícios aos bancos na execução dos contratos do SFH e SFI. “Ora, o mutuário que não tem dinheiro para pagar as prestações antes da execução terá para pagar após? E o dinheiro que já investiu no imóvel com entrada, FGTS, pagamento de prestações, benfeitorias, não vai ser indenizado? Até quando o risco do negócio será sempre do mutuário?”.
A ABMH vê como indevida e irracional a proposta de aditamento à MP 775 e antissocial na medida em que vem para espoliar a população em diversos direitos e, mais uma vez, garantir a grandes conglomerados econômicos lucros infinitos e exorbitantes. “Lembrando que no Brasil não se tem qualquer lei que imponha patamar máximo de juros para os contratos do SFH e SFI, é permitida a capitalização de juros nesses tipos de contrato e o procedimento de tomada e leilão do imóvel corre à revelia da justiça, ou seja, direito o mutuário só tem de dizer sim ou não quando da contratação”, finaliza Wilson Rascovit.