Há 26 anos um grupo de mulheres reunido em Santo Domingo na República Dominicana realizava o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas para discutir as pautas e o enfrentamento dos problemas que afligiam as mulheres negras desta região do mundo. Em mais de duas décadas e meia muita coisa mudou. Algumas conquistas foram alcançadas, mas ainda há muito pelo que lutar. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), dos 25 países com os maiores índices de feminicídio de mulheres negras do mundo, 15 estão localizados na América Latina e no Caribe.
Se o machismo faz suas vítimas, as estatísticas revelam que as mulheres negras estão ainda mais vulneráveis à violência e desigualdades na sociedade.
Somente no Brasil os casos de morte de mulheres negras aumentou cerca de 54% em uma década, segundo o mapa da violência 2016. No Tocantins a situação é ainda pior chegando a um aumento de 82% no número de casos de feminicídio de negras em uma década. Nos casos de violência doméstica as agressões contra as mulheres negras corresponde a mais da metade das ocorrências - 58,68% dos casos.
A própria existência da mulher negra é um ato político e é justamente para marcar a resistência e luta destas mulheres que o dia 25 de julho ficou marcado como o Dia Internacional da Mulher Afro Latina-Americana e Caribenha. Em Palmas a data será marcada por uma programação que começa nesta quarta-feira, 25, e segue até o fim de semana.
O Coletivo de Mulheres Negras Ajunta Preta, criado a partir da articulação de mulheres negras, realizará uma série de atividades que discutem e reivindicam pautas do feminismo negro no Tocantins. A programação começa nesta quarta com um ‘Cine Debate’. Segundo Janaína Costa, membro do coletivo, será exibido um filme com temática voltada para a mulher negra e em seguida será aberto um debate sobre o tema da produção. A exibição será às 19h no Cine Cultura do Espaço Cultural em Palmas.
Ainda na programação será realizada uma festa, a “Ajunta Fest”, na sexta-feira, 27, que terá como objetivo arrecadar recursos para a participação de representantes do Tocantins no Encontro Nacional de Mulheres Negras que será realizado em Goiânia no mês de dezembro. A programação se encerra no domingo com um ato público em Taquaralto. A atividade ganhou o nome de “Ajunta na Rua” e contará com roda de conversa e debate com participação do Baque Mulher - um coletivo de maracatu do nordeste composto somente de mulheres negras.
Toda a programação do julho das pretas é aberta ao público e tem entrada livre. De acordo com Janaína, o objetivo é apresentar as demandas das mulheres negras à sociedade. “O que estamos propondo é levantar estas questões na sociedade palmense, apresentando esses dados e fazendo discussão para que a gente consiga garantir ações e políticas públicas voltadas para a mulher negra”.
Repúdio
O coletivo Ajunta Preta também elaborou uma carta de repúdio à Câmara Municipal de Palmas diante da inércia dos parlamentares do legislativo municipal em apresentar e aprovar projetos que visem a implementação de políticas públicas voltadas para as mulheres, com recorte especial para as mulheres negras.
Em 2017 o coletivo de mulheres negras realizou uma audiência pública na câmara municipal de Palmas para discutir a realidade da mulher negra na cidade de Palmas e também apresentar uma série de reivindicações e propostas que deveriam ser incluídas em um capítulo da Lei Orgânica do Município. Entretanto, um ano após o evento, nenhum projeto que vise condições básicas de dignidade, liberdade, segurança, educação, produção de renda e saúde foi apresentado pelos vereadores de Palmas.
A audiência ainda foi marcada pelo baixo número de parlamentares participantes, descaso dos vereadores que se faziam presentes e discursos vazios de “apoio à causa”.
Entre as demandas apresentadas durante a audiência estavam a estrutura para atender mulheres em situação de violência, a definição de um departamento no poder público municipal onde estas questões sejam debatidas e que apresente a criação de políticas públicas, além da criação de ações dentro do SUS voltadas à saúde da mulher negra.
“Nós levamos as reivindicações mas nada foi atendido, um ano depois estamos novamente realizando o Julho das Pretas e estamos trazendo esta carta repudiando o fato de que eles abriram a câmara de vereadores para nós, participaram, nos ouviram, mas não mobilizaram nenhum esforço, recurso ou sequer vontade política de melhorar a situação da mulher negra em Palmas”, destaca Janaína Costa.
Programação
Julho das Pretas
25 de Julho
Cine Debate
Local: Cine Cultura
Horário: 19H
27 de Julho
Ajunta Fest
Local: Sindicato dos Cirurgiões Dentistas (602 sul, AV LO 15, Conjunto 02, Lote 02)
Horário: 21H
28 de Julho
Oficina de Maracatu com o ‘Baque Mulher’
Local: Ginásio Airton Senna/ Taquaralto
Horário: 16H
Toda a programação do Julho das Pretas é aberta ao público e com entrada livre.
Confira também a carta de repúdio do coletivo Ajunta Preta aos vereadores de Palmas na íntegra.
A realidade da mulher negra na cidade de Palmas”, a quem interessa?
Aos senhores gestores da cidade, do estado, do país? À igreja? À esquerda? À direita? Ao feminismo misto, unilateral?, À imprensa, às empresas?
Onde estão os interessados na vida da mulher negra? Por detrás, ou em cima do muro?
Não os vejo, não os ouço.
Sabemos quem está na linha de frente desse muro, levando rasteira, porrada, pedrada, facada, tiro: pretas, mães, filhas, líderes comunitárias, quilombolas, rurais, urbanas, periféricas, yalorixás, benzedeiras, rezadeiras, Marisa de Carvalho, Luana Barbosa, Claudia, Mariele, Daleti.
Nós, mulheres negras, em resistência, somos as únicas em defesa da nossa própria existência.
Há um ano, nesta mesma época, “A realidade da mulher negra na cidade de Palmas” era tema de audiência pública na Câmara Municipal. No espaço,solicitado durante a edição passada do Julho das Pretas, foi apresentada aos parlamentares e a comunidade presente uma carta de reivindicações requerendo a inserção de um capítulo na Lei Orgânica de Palmas concernente às demandas da mulher negra, com inclusão de orçamento e implementação de políticas públicas que garantissem condições básicas de dignidade, liberdade, segurança, educação, produção de renda e saúde.
Durante a audiência pública, apresentamos dados, pesquisas, em números, cor, gênero, e grau, na tentativa de validar condições explicitas e chegar aos ouvidos das autoridades. Falamos, expusemos dores, angustias, sequelas de um racismo histórico que até hoje nos condiciona à subalternidade, invisibilidade social e institucional, violência doméstica, policial, miséria, genocídio.
Na ocasião, dos poucos vereadores presentes, os que nos dirigiram a palavra se utilizaram do habitual discurso politiqueiro, demagogo, conservador e oportunista. Os demais sequer se empenharam em erguer os olhos do aparelho celular e nos olhar a face, quem dirá nos ouvir.
A carta de reinvindicações foi entregue, assinada, protocolada, carimbada. O “sucesso”, da audiência pública com as mulheres negras em Palmas foi noticiada pelas assessorias nos canais de notícias dos vereadores e nos veículos de imprensa.
Apesar do descaso e da pouca receptividade diante das nossas demandas, considerando a legitimidade da audiência pública e a legalidade da carta reivindicatória, voltamos à casa de leis, mais de uma vez, durante o decorrer deste ano, cobrando retorno às solicitações. Não tivemos direito sequer a uma resposta dos vereadores.
Das 12 medidas sugeridas na carta de reivindicações para atendimento às demandas das mulheres negras por meio de previsão em Lei municipal, nenhuma foi acolhida pela casa de leis. Após um ano, continuamos sem resposta.
Através da demonstração de total desrespeito às pautas das mulheres negras, na capital de um estado onde mais de 70% da população é negra, tivemos a infeliz prova de que a casa de leis municipal é mais uma estrutura de governo racista, machista, homofóbica e intolerante.
Diante do exposto, o Coletivo Feminista de Mulheres Negras do Tocantins, Ajunta Preta, repudia a Câmara Municipal de Palmas e os vereadores e vereadoras que a compõem, e reitera que continuará cobrando resposta às reivindicações apresentadas, hoje, amanhã, a cada ano, e por quanto tempo for preciso.
Nós, mulheres negras, exigimos sermos reconhecidas como pessoas de direitos. Nos respeitem, respeitem a nossa cor, a nossa estória, e a nossa voz.
Continuaremos em luta contra o racismo e pelo bem viver, pautando as demandas do nosso povo, até que sejamos atendidas em posição de igualdade. Se os senhores vereadores de Palmas não nos escutam, o seu eleitorado certamente escutará.
O grito de dor antes colhido pela chibata hoje ecoa por direitos! Nossa voz é resistência e nossos passos vem de longe!
Palmas, 23 de julho de 2018