Em março deste ano, a Receita Federal do Brasil (RFB) editou a Solução de Consulta (SC) COSIT n.65/19, determinando que, no regime de tributação pelo Lucro Real, a reversão ou recuperação do valor dos juros de mora e das multas compensatórias que foram reconhecidas como despesa integram a base de cálculo do IRPJ e da CSLL no momento da adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), instituído pela Lei nº 13.496, de 2017. Da mesma forma, no regime de apuração não cumulativa, também decidiu que o valor da redução dos encargos anistiados neste programa integra a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.
No que se refere às anistias fiscais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia fixado entendimento de que os benefícios somente podem ser aqueles expressamente previstos na lei que as institui, conforme previsão do Código Tributário Nacional ( CTN), que prescreve a obrigação de interpretação literal da legislação anistiadora.
No caso do denominado “Refis da Crise”, instituído pela Lei 11.941/09, que teve posteriores reaberturas de prazos (Refis da Copa e outros), houve previsão expressa de que a parcela equivalente à redução do valor das multas, juros e encargos legais não seria computada na apuração da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS/Pasep e da Cofins em decorrência da anistia.
No entanto, no caso do Programa de Regularização Tributária (PERT), a Lei que o instituiu – 13.946/17 foi silente no que diz com a tributação dos valores anistiados. Em razão disso, nada dispondo a legislação acerca da exclusão dessa tributação, a RFB já vinha aplicando o entendimento de que a redução obtida configura-se como perdão de dívida, situação que caracterizaria acréscimo patrimonial e ingresso de receita, sujeitando-se, portanto, à incidência de PIS/Cofins/IRPJ/CSLL, conforme já anteriormente fixado na SC n. 17/2010, que trata de remissões de dívida em geral. Portanto, a recém editada SC COSIT 65/19 apenas ratifica o entendimento do órgão de forma específica para o PERT.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a incidência de tributação de PIS/Cofins sobre o ICMS destacado em Notas Fiscais, julgou que o conceito constitucional de receita não se confunde com o conceito contábil, devendo a receita bruta ser entendida somente como aquele ingresso financeiro que se integra ao patrimônio na condição de elemento novo e positivo, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. A partir desse precedente, a remissão da dívida não poderia ser tratada como receita ou ingresso patrimonial para fins de tributação, vez tratar-se de mera redução de passivo.
Com fundamento neste entendimento, contribuintes passaram a obter decisões judiciais para fins de afastamento da tributação de IRPJ/CSLL/PIS/Cofins sobre os valores de remissão de multas, juros e encargos beneficiados pela adesão ao PERT. Da mesma forma, decisões administrativas começaram a ser deferidas no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), também favoravelmente aos contribuintes.
Embora o STJ entenda pela necessidade de exclusão normativa expressa da tributação, da qual poderia ensejar ilegalidade na incidência, o atual posicionamento do STF tende a reconhecer a inconstitucionalidade da tributação de valores anistiados, por inexistência de base constitucional para incidências de materialidades tributárias não outorgadas à União Federal.
A SC 65/19, diferentemente da anterior (17/10), tendo sido editada pela Coordenação Geral de Tributação (COSIT) possui efeito vinculante para a RFB. Deste modo, haverá forte tendência de aumento de contenciosos administrativos e judiciais, vez que o entendimento da Receita se encontra contrário à atual jurisprudência acerca da diferenciação dos conceitos constitucional e contábil, para fins de tributação.
*Mirian Teresa Pascon é coordenadora do Departamento Jurídico da DBC Consultoria Tributária