Apesar de ser um problema de saúde pública, falar sobre suicídio ainda é tabu nas famílias, nos grupos sociais – seja no trabalho, igreja, escola. Até mesmo os órgãos de segurança e saúde mantém o assunto sob um certo sigilo – os casos são subnotificados, quase nunca divulgados e as campanhas de prevenção parecem ser ainda muito incipientes.
A abordagem da imprensa a respeito do assunto também pouco ajuda na prevenção aos casos. A maioria dos veículos evita divulgar casos de suicídio e aqueles que o fazem, geralmente, se detêm ao factual e à espetacularização da morte como geradora de audiência e cliques.
Dados
O problema é sério. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada 40 segundos, uma pessoa suicida-se no planeta, sendo a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos de idade.
Em um artigo publicado em 2016 as pesquisadoras Magid Calixto Filho, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, e Talita Zerbini, do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo, destacam que o Brasil está entre os dez países que mais apresentam taxa de óbito por suicídio, com índices crescentes entre os jovens, apresentando crescimento progressivo de 2,7% na década de 1980 e 1990 e 18,8% em 1990 e 2000, havendo aumento também entre jovens em 1990 e 2000 (9%) e 2000 e 2010 (24,2%), sendo o risco quatro vezes maior no sexo masculino.
Dedicada à estudar a prevenção ao suicídio, a pesquisadora tocantinense Hareli Fernanda Cecchin faz doutorado na área e destaca em sua pesquisa que entre os anos de 2011 e 2016, 15% dos casos de violências interpessoais no Brasil foram relativos à lesão autoprovocada, sendo que destes, 27,4% foram casos de tentativa de suicídio. A maioria das ocorrências, 74,4% , aconteceu nas faixas etárias de 10 a 39 anos.
Tocantins
O Tocantins, infelizmente, não tem ficado em uma boa posição neste contexto. Dados levantados pela pesquisadora mostram que os casos aumentaram cerca de 58% em uma década (de 2002 a 2012), valor que é maior que a média da região Norte (46,8%) e de todo o Brasil (20,3%). “Os jovens estão mais vulneráveis, sendo que a maioria dos casos acontece com pessoas até os 30 anos”, analisa Cecchin. Na referida década o aumento de casos de suicídio entre jovens foi de 90,9%. Uma taxa muito acima de toda a região Norte (38,9%) e do Brasil (8,9%). Especificamente em Palmas, capital do Estado, o Mapa da Violência de Jovens do Brasil de 2014 mostrou que a taxa de suicídio geral total aumentou em 3,5% de 2002 para 2012, mas entre os jovens diminuiu cerca de 30,9%.
Dados mais atuais divulgados pela Secretaria Estadual de Saúde (Ses), mostram que no Tocantins foram registradas no banco de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), 3.170 lesões autoprovocadas intencionalmente e 359 mortes por suicídio, entre 2016 e o primeiro trimestre de 2019. A pasta, no entanto, não informa se houve aumento ou redução, nem apresenta dados mais específicos, como gênero e faixa etária da maioria dos casos.
A questão merece o cuidado que a gravidade do problema exige, seja na abordagem jornalística, na divulgação dos dados oficiais ou mesmo no tratamento dado ao assunto nas escolas, em casa e ambientes de trabalho. Para a psicóloga Mariana Borges, no entanto, o sigilo sobre os dados deveria ser repensado. “Os casos de suicídio são subnotificado porque os órgãos acreditam que a divulgação pode aumentar a incidência, mas isso depende muito da forma como as informações serão divulgadas, porque a sociedade precisa saber que isso está afligindo as pessoas no País e que precisamos encontrar maneiras de falar sobre o assunto, porque quanto menos a gente conversa, menos ações de enfrentamento são construídas”, diz.
Parte de toda bruma que encobre o problema do suicídio vem do estigma criado a respeito das doenças mentais, concordam as especialistas. Entretanto, não é certo afirmar que todos os casos estejam relacionados a quadros de depressão, ansiedade, transtorno bipolar entre outras doenças. “O suicídio é um ato de impulsividade e desespero, frente à falta de perspectivas sobre a vida, uma forma de tentar resolver o sofrimento em demasia. Não é possível afirmar que sempre há precedente de saúde mental. Apesar da maioria, cerca de 70% dos casos, envolver precedente de saúde mental, a outra parte, cerca de 30%, não têm vinculação. Podem ser relações sociais, de gênero, saúde, trabalho. O alto desemprego, por exemplo, aumenta muito o risco de cometer suicídio entre os homens, porque o trabalho é vinculado à questão da autoestima do homem que se enxerga como provedor da família”, ressalta Borges.
Haréli Fernanda Cecchin concorda e acrescenta, “O abuso de álcool e outras drogas, bem como problemas sociais, como perda de emprego, crise financeira e luto, podem também levar a casos de suicídio, sem necessariamente um diagnóstico prévio de transtorno mental”.
Prevenção
A prevenção, segundo Cecchin, tem três níveis e passa por iniciativas como a redução de acesso aos métodos e aos meios de suicídio; o tratamento de pessoas com transtornos mentais; melhorias na divulgação dos casos pela imprensa; treinamento das equipes de saúde; programas nas escolas; disponibilidade de linhas diretas e centros de auxílio. “Em geral o desafio da prevenção do suicídio consiste em identificar pessoas em situação de vulnerabilidade, entender seu comportamento e estruturar intervenções eficazes”, destaca.
O primeiro nível de prevenção é universal e busca atingir toda a população, com campanhas, por exemplo, para evitar a incidência de novos casos. No segundo nível de prevenção é realizada uma triagem na qual subgrupos expostos a fatores de risco são identificados para desenvolver ações de proteção no enfrentamento do problema.
Já no nível 3 de prevenção, pessoas diretamente afetadas por situações de risco ou em condições de vulnerabilidade são encaminhadas para profissionais especializados para uma intervenção clínica imediata, antes que o suicídio se concretize.
Ajuda
Uma das ferramentas de prevenção é o conhecido número 188 do Centro de Valorização à Vida, o CVV, criado em 1962 e totalmente operado por voluntários que se dedicam à escutar e tentar ajudar pessoas que passam pelos mais diversos tipos de problemas.
Além do 188, o CVV também oferece ajuda por atendimentos presenciais - nas cidades onde há voluntários - e pelo chat online na internet e E-mail. O endereço eletrônico do CVV é o www.cvv.org.br.
No Tocantins, segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o amparo às pessoas com algum tipo de transtorno psicológico é assegurado através dos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS), gerenciados pelos municípios. Em Palmas há dois Centros. Um deles é o CAPS II, localizado na quadra 804 Sul (Arse 81), Al. 09 Lt. 09. Os telefones do CAPS II são: 3218-5247 / 3218-5421.
Já o CAPS AD III é especializado em álcool e drogas e fica localizado na quadra 105 norte, Al. dos Jatobás nº 85. Os telefones são: 3218-5519 / 3218-5486
Pessoas com quadro depressivo podem procurar CAPS II diretamente, sem necessidade de encaminhamento prévio. O objetivo é justamente prevenir casos de suicídio.
Já, os Hospitais Regionais de Araguaína e de Palmas possuem alas psiquiátricas para os casos que necessitam de internação, conforme determina a Política Nacional de Saúde Mental.