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Palmas

Vista de Taquaruçu a partir da Pedra do Pedro Paulo, a 800 metros de altura

Vista de Taquaruçu a partir da Pedra do Pedro Paulo, a 800 metros de altura Foto: Igor Pessoa

Foto: Igor Pessoa Vista de Taquaruçu a partir da Pedra do Pedro Paulo, a 800 metros de altura Vista de Taquaruçu a partir da Pedra do Pedro Paulo, a 800 metros de altura

Na semana em que Palmas completa 30 anos, vale relembrar um pouco da história do hoje distrito de Taquaruçu, que cedeu sua sede para a implantação da capital do Tocantins, o mais novo Estado do Brasil. 

Montados em lombo de burro, muitos a pé, dezenas de famílias de tropeiros bateram em retirada do Maranhão e Piauí, fugindo da seca, em busca de terras férteis e sonho de vida melhor. A saga se desenrola no início da década de 1940. Foi com esse propósito que a caravana – constituída de senhores, senhoras, jovens e crianças – percorreu meses até se aportar em Taquaruçu – o berço das águas – para fixar moradia. O distrito já foi cidade, mas perdeu essa condição ao ceder a sede do município para a criação de Palmas, solicitada pelo então governador Siqueira Campos ao então prefeito Fenelon Barbosa, mudando a sede e o nome da municipalidade para Palmas.

Taquaruçu, hoje, se destaca como um dos principais polos turísticos de Palmas e do Tocantins. Por ser um dos acessos à região do Jalapão, o distrito passou a ter o seu comércio e economia aquecidos. Isso só foi possível graças ao inventário ecoturístico realizado na gestão da ex-prefeita Nilmar Ruiz, no início do ano 2000. Mas existem tantos outros atrativos turísticos a serem explorados.

 Taquaruçu conta com mais de 80 cachoeiras catalogadas (Foto:Junior Suzuki)

Não raro, moradores da cidade encontram nos leitos dos rios, objetos arqueológicos. Instrumentos esculpidos em pedra; cabeças de machados, pontas de facas, possíveis enxadas. Especula-se sobre aborígenes, habitantes ancestrais, tribais, que habitaram a região, quem sabe antecessores de Xavantes.

O distrito atrai turistas de todo Brasil e cidades tocantinenses, principalmente por ocasião do Festival Gastronômico, no mês de setembro, e durante o carnaval. A história e a cultura dos tropeiros se misturam com as manifestações artísticas atuais. São três pontos de cultura, que desenvolvem ações de forte cunho social e comunitário: Canto das Artes (administrador de uma rádio comunitária), Casa de Caboclo e Taboka Grande. Trabalham nessa mesma linhagem e com o ingrediente circense e outras ações a Escola de Circo Os Kako e TrupeAçu. São atrativos turísticos também a Casa do Artesão e Cataquara (clube do artesanato de Taquaruçu), que se tornou ponto de cultura pelo Minc. Ainda nesse mesmo contexto, o Projeto Vereda oportuniza crianças da comunidade a fortalecerem suas raízes musicais, através da educação musical com instrumentos e cantigas tradicionais, revelando uma musicalidade ímpar e fortalecendo a identidade festeira do local.

Expressões do tempo pelo grito da grupa

Personalidades pioneiras na implantação da capital escolherem o distrito para residir. É o caso do escritor, documentarista e poeta, Alexandre Acampora.

“Cheguei a primeira vez a convite do Donizete, que era o marido da Berenice, filha do então prefeito Fenelon Barbosa. Eu trabalhava na Seplan - Secretaria de Planejamento, em Miracema do Tocantins, a capital provisória, e recebi esse chamado para conversar sobre a implantação da Prefeitura (de Palmas). Mas é bom falar da viagem, porque de Miracema até Palmas levávamos quase 3 horas e de Palmas, na antiga estrada de terra para Taquaruçu, mais duas horas aproximadamente.  Subimos a estrada escutando o barulho de pedras baterem no fundo do carro. A estrada era muito mal planejada muito perigosa, com vários buracos com bolsões de areia. Depois eu soube que quando os caminhões de boi tombavam na estrada, o pessoal da vila daqui de Taquaruçu, descia com a faca na mão, eles já desciam para cortar os bois na estrada e trazer os quartos para as famílias”, diz o escritor.

Acampora destaca que o município não tinha água canalizada, as pessoas todas tomavam banho no Taquaruçuzinho e havia um ponto de banho para as mulheres e um ponto de banho para os homens separado, para que as pessoas não se vissem. Não havia banheiros como os conhecemos. Todo mundo tinha que carregar balde de água para dentro de casa. No aspecto cultural era muito interessante a cestaria de palha que existia e as rendeiras de bilros, que expunham seus trabalhos na praça.

“Foi uma coisa que me impressionou muito encontrar aqui as rendeiras de bilro e eram as expressões culturais mais fortes na época e todo conteúdo da vida do sertanejo. Agricultura de subsistência, cultivo de frutas nativas do Cerrado, o uso da medicina caseira, herança indígena na domesticação de ervas curativas e por conta da inexistência de médicos e de qualquer apoio de saúde”, relembra Acampora.

Ainda segundo seu relato, Dona Maria Rosa, esposa do então prefeito Fenelon Barbosa – alçado ao cargo de primeiro prefeito da capital -, contava com pesar quando tinha que sair daqui com filho doente para buscar atendimento em Porto Nacional, no lombo de burro, no lombo de mula e levava horas, quase um dia inteiro para chegar em Porto Nacional. “Taquaruçu é sem dúvida alguma, a base territorial e político-institucional de Palmas, mas Palmas é uma cidade que agrega cultura de toda a humanidade. Palmas é uma cidade que nasce culta. Uma cidade planejada nasce a partir de referências arquitetônicas do mundo inteiro desde a Roma antiga com seus canais de saneamento básico, nas suas formas de arruamento. E as novidades de Le coubusier e Niemeyer. As novidades de Brasília e do Brasil. Palmas tem uma cultura cosmopolita. Ela nasce com essa cultura cosmopolita. É identificada a partir de uma cultura universal”, afirma Acampora.

Para o escritor, não havia à época defesa cultural, nem uma espécie de trincheira em que se acobertavam moradores e suas posturas tradicionais. Havia, no seu entendimento, muita flexibilidade por parte dos habitantes com relação à implantação da nova cidade. E essa grande esperança de que isso viesse a mudar e mudou, qualitativamente a vida de todos. “Esse aspecto econômico, de ascensão social, se fazia mais presente do que a defesa das culturas tradicionais”, diz.

Acampora sustenta que o Tocantins não contava com nenhuma cidade que pudesse abrigar uma capital com a complexidade de instituições que uma capital exige de instituições federais estaduais e municipais. “Não havia Araguaína e não havia Miracema e Porto Nacional que pudesse dar conta”. A decisão de implantar uma cidade moderna no meio do sertão era uma decisão de lançar, como eu disse uma vez em uma crônica, uma nave para o futuro. Quer dizer, criava-se a possibilidade de trazer para cá a modernidade e tudo que a compõe. A vida urbana, agilidade nas comunicações, a constituição de uma classe média, enfim, o estabelecimento de um novo mercado e tudo mais.

Tropeiros pioneiros

Dona Rita Gomes da Silva 82 anos de idade, veio para Taquaruçu em 1949, quando tinha 11 anos. “A gente veio para cá a pé, de ônibus, de São Domingo do Azeitão, no Maranhão, comitiva de 20 pessoas e outra turma de umas 10 pessoas. Passei um mês e um dia até chegar aqui em Taquaruçu. Aqui casei, com 18 anos de idade”, conta ela. Dona Rita teve 12 filhos, dos quais dois deles nasceram próximos a uma cachoeira, onde havia uma mini-usina elétrica.

“A vida aqui era muito difícil; para a gente ir para Porto a gente fazia a carga, pisava arroz no pilão, tirava o olho de coco babaçu, botava numa carga no jumento e saía para posto para vender e comprar um açúcar, café e outras coisas. No inverno, era oito dias para ir e voltar a Porto” observa, com um ar saudosista. Em suas lembranças, o inverno era a melhor época. “Nós chegávamos no São João tinha vez que ia demorar para deixar esfriar o Ribeirão, para a gente poder passar, porque não tinha ponte. Passávamos por uma Pinguela, com as cargas, arriscado cair dentro do Ribeirão”.

Dona Rita, hoje, cuida das plantas, das flores do seu jardim e de fazer tapetes e capa de almofada em ponto de cruz.

Outro pioneiro é o maranhense Anísio Moura, hoje com 102 anos de idade. Acompanhado de seus familiares e companheiros, veio para Taquaruçu em julho de 1944. Ele trouxe consigo apenas mantimentos e alguns animais domésticos. “Para nós chegarmos aqui, gastamos dois meses e 22 dias viajando. A gente fazia umas paradas nos domingos, para gente descansar e os animais também. Chegamos aqui no dia 27 de julho de 1944”, busca pela memória.