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Cultura

Escola Indígena Sakruiwe, localizada em território Xerente, é uma das 94 instituições estaduais com ensino bilíngue

Escola Indígena Sakruiwe, localizada em território Xerente, é uma das 94 instituições estaduais com ensino bilíngue Foto: Márcio Vieira

Foto: Márcio Vieira Escola Indígena Sakruiwe, localizada em território Xerente, é uma das 94 instituições estaduais com ensino bilíngue Escola Indígena Sakruiwe, localizada em território Xerente, é uma das 94 instituições estaduais com ensino bilíngue

Ao buscar informações sobre qualquer etnia indígena, você sempre irá se deparar com a língua falada e o tronco linguístico. Sim, este esclarecimento é fundamental para o reconhecimento de um povo e para compreendermos que o Português é a língua oficial do Brasil, mas está longe de ser a única. 

As 305 etnias reconhecidas no País falam nada menos que 274 línguas distintas, divididas em dois troncos, em função de suas semelhanças, o Tupi e o Macro-jê. A família mais numerosa do Tronco Tupi é a tupi-guarani, com 19 línguas. No Tronco Macro-Jê, a família mais numerosa é a Jê, com oito línguas faladas principalmente nos campos de Cerrado. 

No Tocantins, predomina o tronco Macro-Jê, com quatro línguas: Yny,  (Karajá, Javaé e Xambioá), Apinajé, Krahô e Akwẽ (Xerente). A língua Avá-Canoeiro pertence à família tupi-guarani, mas com forte influência dos dialetos falados no médio Araguaia e no alto Rio Tocantins. Já os registros sobre os Pankararu revelam que eles falavam uma variante do tupi-guarani, porém, sua língua sofreu forte descaracterização nas últimas oito décadas, em função do estreito contato com não indígenas.

A língua é viva, está em constante transformação, como ocorre com o Português, que carrega muitas palavras de origem indígena, inclusive. Mas é importante ressaltar que a manutenção da língua tradicional está diretamente ligada a preservação da cultura e do modo de vida desses povos. 

Valorizar e preservar

No artigo “A Língua Karajá: Empréstimos Linguísticos", escrito por Leandro Lariwana Karajá durante período de estudo na Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio do Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena, o pesquisador compara as mulheres com pouca instrução “formal” da Ilha do Bananal com os homens e as mulheres com maior convivência entre não indígenas, que usam empréstimos do Português. 

“A língua Iny está mais viva com elas, não importa onde elas estiverem, quer na cidade ou na aldeia, o uso da língua Iny está sempre em primeiro lugar”, aponta Leandro Karajá, alertando que a cada geração são introduzidas mais palavras do Português. “Se nós falantes da língua Iny não fizermos nada, daqui há 100 anos não vamos falar mais a língua Iny, e, sim, uma nova língua, resultado de uma mistura com a língua portuguesa”, alerta, ao usar como exemplos de perda do Iny como primeiro idioma entre os habitantes da Aldeia Buridina, situada em Goiás, e o povo Xambioá, que luta por sua revitalização. 

Estudos e projetos acadêmicos sobre línguas indígenas não faltam. O principal desafio é a preservação, mesmo com a importante presença do ensino formal dentro das aldeias. No Tocantins, a Secretaria Estadual da Educação, Juventude e Esportes (Seduc) mantém 95 escolas dentro de aldeias e todas oferecem ensino bilíngue, com professores indígenas. A única exceção é a escola da aldeia Krahô-Kanela, etnia que sofreu forte processo de aculturamento. 

“O Governo do Estado, por meio da Seduc e outras pastas, como a Adetuc, está atento às necessidades dos povos indígenas, seja na manutenção das línguas nativas, ou em ações de preservação cultural, fomento econômico ou atenção social e à saúde”, ressalta o presidente da Agência do Desenvolvimento do Turismo, Cultura e Economia Criativa, Jairo Mariano, lembrando educação escolar específica, diferenciada, intercultural, bilíngue e comunitária é um direito constitucional.

Entre os esforços voltados à recuperação da língua tradicional dos moradores da Aldeia Lankraré, vale lembrar o Projeto de Revitalização da Língua e da Cultura Krahô-Kanela, que teve início em 2013, por meio de parceria entre a Universidade Federal do Tocantins, Governo do Estado/Seduc e Fundação Nacional do Índio (Funai), com o objetivo de promover  intercâmbios e oficinas pedagógicas entre professores Krahô e Krahô-Kanela.

Várias etnias também contam com livros didáticos específicos. Uma dessas obras é o Livro de Alfabetização Krahô, escrito pelo educador Renato Yahé Krahô, com co-autoria do professor doutor Francisco Edviges Albuquerque. Foi lançado em 2009, após quatro anos de pesquisas, com o objetivo de incentivar nas crianças a valorização e manutenção da língua materna.

Criador do Laboratório de Línguas Indígenas da UFT, Campus de Araguaína, Francisco Edviges Albuquerque elaborou a Gramática Pedagógica da Língua Apinajé, lançada em 2011, a partir da constatação de que alunos e professores Apinajé dispunham de bons métodos didáticos para falar, ler e escrever em língua materna, mas necessitavam de uma gramática específica, pois todos os livros e materiais didáticos existentes visavam apenas a sistematização do Português. 

Já a língua Akwẽ é falada não apenas pelos Xerente, como também pelos Xavante, do Mato Grosso, e Xakriabá, do norte de Minas Gerais. Cada etnia possui seu próprio dialeto, que é inteligível aos demais. Vale lembrar que, em abril de 2012, a Câmara Municipal de Vereadores de Tocantínia aprovou o Akwẽ Xerente como a segunda língua oficial no município, onde estima-se que aproximadamente 50% dos cerca de 7 mil habitantes sejam indígenas. Com a aprovação, o município passou a ser o quarto do Brasil a oficializar uma língua indígena. 

Influências 

O Português original sofreu grande influência das línguas nativas, especialmente do Tupinambá (família tupi-guarani), primeira utilizada no contato entre europeus e indígenas, principalmente nas expedições bandeirantes e na ocupação da Amazônia. Os jesuítas estudaram a língua, traduziram orações cristãs para a catequese e o Tupinambá se estabeleceu como língua geral, ao lado do Português, na vida cotidiana da colônia. 

Do Tupinambá, o Português incorporou principalmente palavras referentes à flora, como abacaxi, buriti, babaçu, carnaúba, mandacaru, mandioca, capim, sapé, taquara, peroba, imbuia, jacarandá, ipê, cipó, pitanga, maracujá, jabuticaba e caju; à fauna, como capivara, quati, tatu, sagui, caninana, jacaré, sucuri, piranha, araponga, urubu, curió, sabiá, tucano; nomes geográficos, como Gurupi, Tupirama, Itacajá, Aracaju, Guanabara, Tijuca, Niterói, Pindamonhangaba, Itapeva, Itaúna e Ipiranga, e nomes próprios, como Jurandir, Ubirajara e Maíra.