O embate entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o
Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou novos capítulos nos últimos dias. A crise
entre a Corte Suprema e o Planalto ganhou fôlego depois que ministros da Corte
se reuniram com dirigentes de partidos para reverter a tendência de aprovação
do voto impresso pelo Congresso. Uma das bandeiras defendidas por Bolsonaro é
que as urnas eletrônicas utilizadas não são confiáveis e passíveis de fraude.
Fato que ainda não conseguiu comprovar. O certo é que esse tema foi o último
estopim da batalha entre o Judiciário e o Executivo.
Nesse cenário, outro tema ganhou destaque em mais um round entre o presidente e
o Supremo. A tensão ocorreu devido a um vídeo publicado pela Secretaria de
Comunicação do STF. Na peça publicitária da campanha “#VerdadesdoSTF”, a
Corte desmente a versão reproduzida reiteradamente pelo presidente e por
aliados do Planalto de que o Supremo teria proibido o Governo Federal de agir
no enfrentamento à pandemia do Covid-19. Parafraseando a frase de Joseph
Goebbels, ministro da Propaganda do regime nazista de Adolf Hitler, o
Supremo diz no texto de divulgação do vídeo em resposta a Bolsonaro que “uma
mentira contada mil vezes não vira verdade”.
Importante destacar que a decisão do STF sobre a competência constitucional
para o combate da pandemia, proferida no anos passado, consignou que
governadores e prefeitos têm autonomia para planejar estratégias para o combate
ao vírus em suas regiões, incluindo a quarentena e o fechamento do comércio,
por exemplo.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341, o Supremo decidiu que
os governos municipais e estaduais podiam determinar o isolamento social,
quarentena e fechamento do comércio. Já na ADI 6.343, os ministros
entenderam que os governadores e prefeitos poderiam restringir a locomoção
interestadual e intermunicipal, caso achem necessário. Por último,
na Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 672, o
ministro Alexandre de Moraes decidiu que as autoridades estaduais e municipais
tinham a competência para manter medidas adotadas para combater a pandemia.
Nenhuma das decisões afastava a possibilidade de o Governo Federal tomar
medidas para a contenção da pandemia.
Porém, o entendimento dos ministros era que a União também poderia traçar
estratégias de abrangência nacional. Ou seja, o Supremo não firmou entendimento
no sentido de que todas as ações fossem tomadas pelos governadores e prefeitos,
e sim que o governo federal não poderia interferir em ações locais, como o
estabelecimento de quarentenas e o fechamento do comércio.
Do outro lado, Bolsonaro disse à imprensa e seguidores nas redes sociais, por
diversas vezes, que não possui nenhum poder para combater a pandemia, pois esse
o foi tirado pelo Supremo.
Na manhã da última quinta-feira, 29 de julho, ele subiu o tom em conversa com apoiadores no Alvorada: “O Supremo cometeu crime ao dizer que prefeitos e governadores podem suprimir direitos”. A afirmação foi seguida pela declaração: “Prefeitos e governadores tinham mais poder do que eu”, disse. E no Twitter, Bolsonaro escreveu que o Supremo “delegou poderes para que Estados e municípios”. Ou seja, uma narrativa que já vem desde 2020.
Em uma medida cautelar que referendou a decisão do Supremo, o ministro Alexandre de Moraes declarou que não cabe ao Executivo tomar qualquer iniciativa “que vise a desautorizar medidas sanitárias adotadas pelos Estados e municípios com o propósito de intensificar ou ajustar o nível de proteção sanitária”. Apesar de não poder invadir a competência de prefeitos e governadores, a decisão não retira os poderes do governo federal “de atuar como ente central no planejamento e coordenação de ações integradas de saúde pública, em especial de segurança sanitária e epidemiológica no enfrentamento à pandemia da Covid-19”, como cabe em suas atribuições.
Importante destacar que, independente das decisões da Corte Superior, o Planalto não atuou de forma ostensiva no combate a pandemia. Atuou como um palanque eleitoral, um teatro de narrativas que pouco contribuíram para o controle da doença em nosso território. O presidente, infelizmente, preferiu nadar contra a corrente em diversos momentos cruciais desta crise sanitária. E o pior: ainda acumula uma série de fake news, principalmente contra a nossa Corte Superior, ateando ainda mais álcool nesta fogueira de inverdades e vaidades.
Marcelo Aith é advogado, Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca e professor convidado da Escola Paulista de Direito.