Segundo resultados da pesquisa com rebanhos Gir e Girolando apresentado pela pesquisadora da Embrapa Cerrados, Isabel Ferreira, uma vaca pode gerar ganhos de 24% ao produzir leite por dia em um sistema sombreado.
Comparados com os animais em pleno sol, na média dos três anos de avaliação (de 2017 a 2019), as vacas da raça Gir que estavam à sombra tiveram melhor rendimento, principalmente no período seco, 17% a mais de produtividade. Sobre o rendimento durante a curva de lactação das vacas, a pesquisadora informa: “O efeito mais marcante ocorreu no início da lactação, entre 1 e 75 dias, com um aumento de 18% de produção individual, período em que o animal precisa de maior nutrição”. Os resultados foram apresentados no webinar ILPF em propriedade de gado de leite – como e por que implantar, na última terça-feira, 21.
Já entre as vacas Girolando, não houve diferença significativa. No entanto, os benefícios da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) não se limitam à maior produção de leite. “A presença das árvores diminui a temperatura animal e proporciona ganhos no comportamento. Na sombra, as vacas passam 32% a mais de tempo ruminando. Com isso, elas aproveitam melhor os nutrientes da forragem e descansam, não gastam energia para manterem a temperatura corporal”, detalha Ferreira. Todas essas alterações se refletem em um melhor desempenho do animal.
Com maior conforto térmico e bem-estar, as vacas produziram 81% a mais de ovócitos viáveis e quatro vezes mais embriões, melhorando os índices de reprodução. Além da quantidade, a qualidade dos ovócitos também foi um destaque, conforme estudo conduzido pelo pesquisador Carlos Frederico Martins.
Outro ganho proporcionado pela Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) está relacionado à qualidade da forragem. O pasto sombreado apresentou 30% a mais de proteína, redução de fibra e melhor digestibilidade da matéria seca.
Maior sustentabilidade
Já são conhecidos os benefícios dos sistemas integrados para os bovinos e para as cadeias produtivas. “São sistemas mais resilientes, mitigadores e que trazem mais benefícios econômicos para os produtores”, ressalta Fabiana Villa, coordenadora-geral de Mudanças Climáticas, Florestas Plantadas e Agropecuária Conservacionista do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Villa apresentou a segunda fase do programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC), denominada de ABC+: “É a maior política pública do mundo focada em mitigação e adaptação para o setor agropecuário”, enfatiza. Novas metas foram planejadas para o período 2020-2030 com foco na adaptação às mudanças climáticas e a baixa emissão de carbono pela agricultura.
Todas as metas estabelecidas no primeiro período, com exceção à relacionada às florestas plantadas, foram superadas. A meta de adoção do ILPF era de 4 milhões de hectares, área que corresponde ao território da Alemanha. “Nós alcançamos 50% além da meta, 52 milhões de hectares, uma Alemanha e meia”, comemora a coordenadora. “O plano ABC foi muito exitoso em promover a mitigação, a adaptação também, mas principalmente a eficiência no setor agropecuário”. As novas metas voluntárias, que devem ser alcançadas até 2030, serão apresentadas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), marcada para novembro deste ano.
A coordenadora lembra que as primeiras metas não tinham como foco a adaptação às mudanças climáticas: “Na primeira década, pouco se falava em adaptação. Mas os efeitos do clima estão aí, estamos sentindo na pele, tanto nós como os animais. Por isso, precisamos usar estratégias de adaptação”.
Os Sistemas de Produção Sustentáveis (SPS) do ABC+ são compostos por produtos, tecnologia e sistemas. Recuperação de pastagens degradadas, ILPF, sistema plantio direto, florestas plantadas, fixação biológica de nitrogênio e tratamento de dejetos animais eram os componentes da primeira fase. A partir deste ano, a novidade foi a inclusão dos sistemas irrigados e a terminação intensiva de animais. “Todas as tecnologias que incluímos têm como base muita ciência, ciência nacional, com dados tropicalizados. Elas têm como foco a mitigação e adaptação, a diminuição da vulnerabilidade e o aumento da resiliência dos sistemas”, detalha Villa.
Apesar de não serem focados em cadeias produtivas, Villa ressalta as oportunidades para a pecuária leiteira, principalmente no que se refere ao tratamento dos dejetos animais, contemplado na meta Manejo de resíduos da produção animal. São de 208,4 milhões de m3 o compromisso brasileiro quanto ao tratamento dos dejetos.
O ABC+ trabalha seus objetivos por meio da gestão integrada da paisagem. Segundo a palestrante, esse é um conceito internacionalmente aceito e se se refere a ter um olhar customizado para as propriedades, suas atividades e as tecnologias que estão sendo empregadas nos sistemas integrados: “Isso nós já fazemos muito bem. O ILPF é um exemplo clássico e típico de adaptação e resiliência”.
Ela apresenta uma foto de com uma pastagem completamente queimada pela geada e, ao lado, uma propriedade onde as árvores protegeram o pasto e ele continua verde. “O que buscamos é a diminuição do risco climático das perdas dos produtores”, destaca. O ILPF ainda traz benefícios adicionais, entre os quais, cita: menor custo de produção por produto; maior qualidade do solo, maior biodiversidade; menor consumo de água pelos animais; menos emissão de gases de efeito estufa, uma vez que melhora a digestibilidade das forrageiras pelos animais e fixação de nitrogênio pelas árvores; uso eficiente da terra com intensificação sustentável.
Para os outros atores da cadeia, Villa ressalta que há oportunidades para pesquisa, desenvolvimento e inovação, comunicação para a sensibilização dos públicos para a pecuária sustentável, cooperação estratégica, assistência técnica e outros. “No final, o que queremos é trazer mais renda para o produtor”, encerra.
Pecuária leiteira do futuro
Com essa provocação, a pesquisadora da Embrapa Gado de Leite, Roberta Carnevalli, elenca várias questões que afetam a pecuária – mudanças climáticas, pressão ambiental, ambiência animal, segurança alimentar do rebanho e sustentabilidade. São necessidades impostas pelo sistema de produção juntamente com a pressão da sociedade por uma pecuária sustentável.
Carnevalli detalha o arranjo de uma propriedade em transição para um sistema integrado, de forma a facilitar o manejo dos animais e a implantação das árvores. No ILFP, as árvores têm dupla função: fornecer outra renda para o produtor, pela produção de frutas, madeiras ou serviços ambientais, e proporcionar bem-estar para os animais.
Em uma simulação, considerando a adubação de 800 quilos de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK) em um hectare de milho, em lavoura com alto nível tecnológico, são necessárias 90 árvores para neutralizar emissões da produção. “Não é uma quantidade muito alta, nem com alta densidade [de árvores]. Nesse caso, só consideramos a adubação. Se considerar a braquiária e outros aspectos, essa quantidade diminui”, reflete.
Umas das opções de espécies arbóreas de pequeno porte apresentada pela pesquisadora são as frutíferas. As vantagens são muitas: elas ocupam pouco espaço; as frutas podem ser consumidas ou comercializadas, gerando um retorno financeiro mais rápido que a produção de madeira; fornecem sombra para o gado. Mas a Carnevalli faz um alerta: “Não pode ser qualquer fruteira”. O cajazeiro, por exemplo, perde as folhas em alguns períodos, o que impede que ele forneça sombra para os animais.
Alguns estudos já estão sendo feitos para a recomendação dessas espécies. A goiabeira e o cajueiro já mostraram bons resultados. “Estamos realizando experimentos para avaliar a compatibilidade de espécies frutíferas. Caju, goiaba... são inúmeras as possibilidades que podemos testar”. Ela cita ainda citrus, banana, palmeiras, macadâmia, lichia, coqueiro e outras mais que podem ser avaliadas para os sistemas integrados.
Ela termina com uma provocação: Qual é a pecuária que nós queremos mostrar para o mundo? Ela apresenta uma imagem de vacas sem acesso à sombra, em colapso pelo calor. “Esse não é o tipo de leite que o mundo quer comprar! Não é esse cenário que vai vender leite fora do País, mas é o cenário que mais encontramos no País”.
Ela convida o setor produtivo para buscar melhores soluções para uma produção sustentável: “Quando falamos de mudanças climáticas, a responsabilidade é de todos. Quando falamos que os jovens não querem mais tomar leite porque está poluindo o ambiente, a responsabilidade é de todos”.