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Meio Ambiente

Foto: Thomas Bauer

Foto: Thomas Bauer

Será lançado nessa quinta-feira, 11, às 18 horas (horário de Brasília), o estudo “Na fronteira da (i) legalidade: Desmatamento e grilagem no Matopiba”, produzido pela Associação dos Advogados/as de Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR) e a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado com a contribuição do IFBaiano (Campus Valença). O conteúdo, que será disponibilizado nas versões impressa e pdf, também poderá ser acessado por uma plataforma virtual exclusiva.

O evento de lançamento acontece durante uma live no canal do Youtube e Facebook da AATR com a presença de Maurício Correia Silva, advogado popular, especialista em Direitos Sociais do Campo pela UFG, membro e atual coordenador geral da AATR; Joice Bonfim,  secretária executiva da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, advogada popular e mestra em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); Valéria Pereira Santos, articuladora da Comissão Pastoral da Terra no Cerrado e mestra em Demandas Populares e Dinâmicas Regionais pela Universidade Federal do Tocantins (UFT); e Maurício Torres, professor do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Na ocasião, os convidados irão apresentar os resultados do estudo traçando as análises que demonstram a imbricação entre desmatamento e grilagem (apropriação ilegal de terras ) no Matopiba. Essa relação tem impulsionado a consolidação dos processos de invasão de terras públicas e tradicionalmente ocupadas, como apontado em audiência pública realizada na última quarta (4/11) no Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), que reuniu relatos de lideranças comunitárias sobre as violações enfrentadas pelos povos originários e comunidades tradicionais.

Contexto

O Cerrado é a savana mais biodiversa do planeta e espaço de territorialidades indígenas, quilombolas, tradicionais (geraizeiras, fechos de pasto, veredeiras, quebradeiras de coco-babaçu) e comunidades assentadas ou sem-terra lutando por reforma agrária. E por isso, a expansão da fronteira agrícola sobre a região traduziu-se em intensos e violentos conflitos por terra. As dinâmicas apresentadas pela pesquisa denunciam a apropriação de territórios tradicionais desde o passado, região de genocídio dos povos indígenas e pra onde se deslocaram trabalhadores/as durante e após a abolição da escravidão, se fixando para convivência com o bioma e as repercussões no presente, onde os invasores de terras públicas são majoritariamente homens brancos oriundos do Sul do Brasil, para os quais as práticas de fraude cartorial, concessão indiscriminada de outorgas hídricas e de supressão vegetal são amplamente facilitadas institucionalmente, como já apontado na Operação Faroeste.

Os povos do Cerrado, no entanto, são invisibilizados e considerados obstáculos ao desenvolvimento da região, tratada como vazio demográfico na consolidação de um imaginário que apaga a presença e justifica o avanço da fronteira agrícola onde a relevância do bioma é desprezada por agentes públicos e privados, fatores que contribuem para a irrisória demarcação de terras tradicionalmente ocupadas e para a lentidão e/ou bloqueio de processos de regularização e titulação fundiária. A fronteira expressa o racismo ambiental sobre os corpos e territórios, ao desmatar o bioma cerrado, produzir assoreamento e poluição dos rios com agrotóxicos, ameaças, assédios, invasões, violência física e psíquica contra as populações que defendem seus territórios, ações que cooperam para interditar, alterar ou inviabilizar modos de vida tradicionais.

Como forma de ilustrar essa dinâmica, a pesquisa apresenta quatro casos representativos: o desmatamento da Travessia do Mirador, no Centro-sul do Maranhão; da Gleba Tauá, no Cerrado tocantinense; do Território Melancias, no Sul do Piauí; e dos Fechos de Pasto Capão do Modesto, Porcos-Guará-Pombas, Cupim e Vereda da Felicidade, na Bacia do Rio Corrente, Oeste da Bahia. O estudo também reúne recomendações de enfrentamento deste cenário, que serão enviadas para os órgãos do Sistema de Justiça, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça, Corregedorias dos Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas Estaduais.

Conheça os casos apresentados no estudo:

Maranhão

A Travessia do Mirador é uma área de ocupação tradicional com fortes conflitos fundiários pelo menos desde a década de 70, com a chegada de produtores rurais do sul do Brasil. Desde 1978, a justiça estadual do Maranhão reconheceu a área como terra devoluta, declarando como ilegais as propriedades reivindicadas por diversos grileiros e demandando que o estado realizasse a demarcação da área, destinando-a para reforma agrária e regularização fundiária. Mais de quatro décadas depois, as comunidades tradicionais da Travessia e seus descendentes ainda esperam o cumprimento da sentença que reconhece seus direitos. O caso revela que o estado do Maranhão agiu com "dois pesos e duas medidas". Por um lado, deixou de cumprir as suas obrigações de demarcação da área, sendo conivente com a massiva apropriação privada ilegal da Travessia e a grilagem verde, que até os dias atuais são fontes lucrativas para as empresas agrícolas e fazendeiros que promovem intenso desmatamento no seu entorno. E ao mesmo tempo, o estado promove o cerceamento das práticas tradicionais das comunidades da Travessia, violências e ameaças de expulsão por meio da gestão do parque.

Tocantins

A Gleba Tauá, terra pública registrada em nome da União desde 1984, é palco de graves conflitos associados à grilagem de terras e desmatamento ilegal. Uma área de 18 mil hectares, que abriga territórios tradicionais e camponeses lutando por regularização fundiária e reforma agrária, tem sido ao longo dos últimos 30 anos apropriada de forma ilegal e violenta pela Família Binotto. A família catarinense desenvolveu, ao longo dos anos, diversas estratégias de grilagem, “atirando para todos os lados” numa guerra jurídica contra as comunidades da Gleba. Algumas foram operadas nos cartórios de registros de imóveis, outras por meio do Poder Judiciário e outras ainda contando com o apoio de órgãos como o INCRA e das legislações que legalizam a grilagem. Na Gleba Tauá, o desmatamento ilegal foi uma arma fundamental da Família Binotto para a consolidação da grilagem, tornando sua permanência na área um fato consumado, e sendo um instrumento de violência e afronta aos territórios tradicionais e camponeses. Hoje a Gleba está quase totalmente devastada e, se não fossem os territórios e a resistência popular, não haveria mais Cerrado para contar essa história.

Piauí

No Piauí, as comunidades do território de Melancias enfrentam graves conflitos na luta pela demarcação e titulação do seu território tradicionalmente ocupado, que formalmente consistem em terras devolutas estaduais. Encurraladas nos vales ou “baixões”, as famílias brejeiras e ribeirinhas sofrem com os danos causados pela apropriação ilegal das chapadas do entorno, com o desmatamento acelerado, contaminação das águas por agrotóxicos e com a grilagem verde.

Historicamente, o principal operador da apropriação ilegal das chapadas e vales da região do alto Uruçuí-Preto é o próprio Estado do Piauí, especialmente por meio do Poder Executivo e Judiciário. O processo de entrega do valioso patrimônio constituído pelas terras públicas tem início no começo dos anos 70, e visou a transferência massiva de terras devolutas para indivíduos e empresas privadas, especialmente do Sul do país,  a preços irrisórios e com critérios pouco transparentes.

Bahia

A ocupação tradicional das terras do Cerrado baiano foi sendo fragmentada com a chegada dos invasores, sobretudo a partir das décadas de 1960 e 70.  Os esquemas de grilagem seguiram um padrão usual de “inventar nos inventários”. Como consequência da ocupação das chapadas pelo agronegócio, diversos rios estão morrendo e o desmatamento tem se configurado como um instrumento para que a grilagem se torne um fato consumado. As comunidades tradicionais desenvolveram estratégias de defesa, constituindo os fechos de pasto sobre as áreas de uso e manejo comunitário que seguiam sob sua posse. Sobre estes, empresários, imobiliárias e banqueiros arquitetaram a invenção de “fazendas fantasmas”, visando, em um primeiro momento, a especulação fundiária, o acesso a crédito subsidiado pelo Estado brasileiro e empréstimos bancários. Em razão da resistência, é justamente nos fechos que o Cerrado segue em pé. E é por isso que, após vários anos de abandono dos esquemas de grilagem sobre estas áreas, elas passaram a ser novamente cobiçadas diante de uma nova possibilidade de lucro: a grilagem verde. Ao mesmo tempo, o processo de demarcação e titulação dos fechos caminha a passos lentos, e com isso os invasores ganham tempo para consolidar a grilagem.