Existe atualmente uma silenciosa ameaça à saúde pública que poderá ser catastrófica. E as crianças brasileiras não se encontram imunes a essa ameaça. Trata-se da poliomielite, também conhecida como paralisia infantil. A preocupação se deve ao fato de o vírus estar circulando em várias regiões do mundo, segundo recente alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao mesmo tempo, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) confirma casos nos Estados Unidos e na Venezuela, colocando sob vigilância nossos vizinhos Suriname, Bolívia, Paraguai e a própria Venezuela. No Brasil houve um caso suspeito, no estado de Roraima.
Em nosso país a pólio está erradicada há cerca de 30 anos, porém a vigilância deve ser permanente para que a doença não se reinstale, repetindo o efeito devastador que teve, especialmente na metade da década de 1980. Especialistas alertam que o fato da erradicação cria falsa sensação de que a vacina não é necessária, mas é um equívoco pensar dessa forma, a imunização preventiva é da maior importância.
O Brasil venceu a batalha contra a pólio com muita dedicação, participação comunitária e um intensivo programa de vacinação.
Na época, eu ocupava o Ministério da Saúde e o maior problema era o fraco engajamento popular nas campanhas de imunização. Faltava motivação, os pais ou responsáveis não levavam as crianças aos postos de vacinação. Para alcançar metas de cobertura, até o Exército foi chamado a colaborar, formando equipes que iam às casas para ministrar as doses da Sabin nas crianças.
Como faltava um ícone, um personagem que promovesse motivação a partir das próprias crianças, o Ministério instituiu um concurso nacional entre alunos das escolas públicas para criar esse personagem-símbolo. Surgiu então o Zé Gotinha, o grande motivador que ainda é o símbolo de todas as campanhas, embora menos ostensivamente utilizado.
Com a implantação do Zé Gotinha, aumentamos o número de dias de vacinação nacional com grande divulgação pela imprensa. O resultado foi excelente e o Brasil é hoje exemplo para o mundo de eficiência em vacinação.
Atualmente, apesar do perigo à vista, percebe-se novamente o desinteresse pela vacinação por diferentes motivos e pretextos. O Ministério da Saúde vem sendo obrigado a prorrogar o prazo das campanhas por causa da baixa cobertura vacinal atingida. De acordo com dados publicados, 9 milhões de crianças com menos de 5 anos não estão vacinadas e o público-alvo apto a receber o imunizante é de 14,3 milhões de crianças. Uma criança deve tomar ao menos três doses da vacina para estar imunizada. Existe ainda uma dose de reforço. A vacina está disponível durante o ano todo, independente dos períodos definidos no Plano Nacional de Imunização.
O sistema de saúde precisa estar permanentemente preparado para neutralizar novos e desconhecidos vírus e as novas cepas de vírus já conhecidos, além de se preocupar com outras doenças, como sarampo, hepatite, febre amarela, rubéola, varicela.
A poliomielite é uma doença extremamente perigosa, ataca o sistema nervoso e deixa sequelas físicas graves e irreversíveis.
A rejeição a vacinas em nosso país é histórica e responsável por graves danos à saúde pública. Por isso, entendo que deveria ser estabelecido algum tipo de obrigatoriedade. Conheço relatos de adultos portadores de paralisia que hoje responsabilizam diretamente os pais por não os haverem levado à imunização vacinal.
Portanto, não seria nenhuma exagerada coação aplicar medidas que resultem na punição legal de pais ou responsáveis que negligenciem ou subtraiam esse direito a inocentes vulneráveis.
Diante da evidente possibilidade de reaparecimento epidêmico da doença, minha experiência diz que é oportuno promover um consistente movimento em torno de campanhas de vacinação preventiva, mobilizando a comunidade, pais, influenciadores, entidades sociais e autoridades de saúde. Acredito que assim será possível neutralizar as doenças e a irresponsável disseminação de medos e mitos sobre vacinas.
E acredito, também, que está na hora de convocar novamente o Zé Gotinha...
*Luiz Carlos Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado do Tocantins e ex-secretário do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Emprego do Município de Palmas-TO