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Opinião

Luiz Carlos Borges da Silveira é médico e ex-ministro da Saúde

Luiz Carlos Borges da Silveira é médico e ex-ministro da Saúde Foto: Arquivo Conexão Tocantins

Foto: Arquivo Conexão Tocantins Luiz Carlos Borges da Silveira é médico e ex-ministro da Saúde Luiz Carlos Borges da Silveira é médico e ex-ministro da Saúde

No regime democrático, a atuação dos partidos políticos tem destacada importância. Eles dão vez e voto ao eleitor, são elos entre cidadãos e governo, partícipes da gestão pública e, por extensão, da governabilidade. No Brasil, que por definição é uma democracia, os partidos atuam exatamente no sentido contrário, o que dificulta o trabalho de qualquer presidente, de qualquer ministério, por mais competentes que sejam.

Aqui, as siglas não são fortes nem estáveis. Estão mais para conglomerados de grupos cada um seguidor de seu próprio líder ou cacique político. Assim divididos, os partidos perdem a identidade e os laços ideológico-programáticos, firmando qualquer tipo de acordo. É recorrente as siglas entrarem em colapsos tão fortes que são obrigadas a mudar até de nome, tal o desgaste de imagem junto ao eleitorado. Por isso temos tantos nomes de partidos sem o menor sentido político, como Rede, Avante, Podemos, Solidariedade.

Isto acontece porque a maioria dos que manobram a política partidária está corrompida na base, só vislumbra benefícios próprios, negociatas. O objetivo maior é a conquista de vantagens indevidas, imerecidas e, não raro, de honestidade questionável.

Aliás, a proliferação de partidos e a facilidade em criá-los (sempre de olho nos fundos públicos que os abastecem) têm muito a ver com a contaminação política. A lei de Cláusula de Barreira, aplicada pela primeira vez nas eleições gerais de 2018, brecou em parte o processo ao colocar restrições, mas não foi decisiva. As siglas ameaçadas de desaparecimento aproveitaram brechas na legislação e fizeram coligações e federações. Assim estão sobrevivendo.

O que poderia promover uma grande concertação no sistema seria uma reforma política ampla, austera, séria e positiva. Todavia, os atores da cena que poderiam promovê-la são os mesmos beneficiários do sistema atual, por isso é que muito se discute e nada de substancial acontece, a não ser pontuais remendos.

Uma substantiva reforma poderia inclusive mexer na Constituição e instituir o Parlamentarismo como sistema de governo. Defendo como o melhor e o mais adequado ao Brasil. É aprovado há séculos nas maiores e mais estáveis democracias do mundo. Mas, reconheço, com nossa cultura política resultaria ineficaz. Nosso parlamento talvez não esteja suficientemente maduro para protagonizar o elevado papel que teria. Poderia ocorrer, por exemplo, que a cada dois ou três meses houvesse discussão para derrubar o Primeiro-Ministro e escolher o sucessor. E a cada debate, uma crise.

Está claro que o Brasil tem partidos demais e representatividade de menos. Não há participação popular, nenhuma discussão ou debate interno. Os partidos não podem nem mesmo organizar e fazer suas convenções. Estão submetidos às comissões provisórias que atuam autoritariamente, com poder inclusive para dissolver diretórios. Ou seja, não há liberdade nem democracia nas bases partidárias e isso afasta as pessoas interessadas em exercer militância e até disputar cargos públicos eletivos. Ao que parece, os bem intencionados acabam se omitindo e abrindo cominho para os outros. Mesmo aqueles de boa origem e princípios, depois que se elegem se modificam. Logo percebem que na prática a política pouco tem de idealismo e bons propósitos, é ninho de cobras onde ou adere ou sucumbe, nem para a neutralidade há espaço: ou é do esquema ou é contra o esquema. Nesse ambiente não é desconhecida a chantagem política.

No âmbito do Congresso, o Centrão é um exemplo: grupo heterogêneo sem identidade político-ideológica definida, formado por diversos partidos e todavia age soberanamente. Sua ideologia é pressionar o governo e dele arrancar tudo o que quer e pode. E sempre pode, pois manobra quase metade dos votos na Câmara e com seu poder de barganha influencia as votações no Senado.

Com maioria parlamentar, o Centrão pode exigir e impor qualquer coisa; e assim tem feito e continuará fazendo porque sempre estará com o governo – de direita, esquerda ou de centro. Por isso, todo presidente da República é obrigado a prostrar-se ante esse grupo e a negociar com suas lideranças e prepostos. Uma situação que nada tem de democrática.

O Congresso Nacional, em sua relação com o Executivo, é uma negação dos valores políticos, é notório balcão de negócios. Acordos e acertos políticos não são nenhuma novidade, remontam aos tempos do Império. Porém, aqui e agora o tradicional ‘toma lá dá cá’ corre solto, sem nenhuma inibição por parte dos que o praticam.

Como efeito disso, o presidente (e isso não é da agora) torna-se refém dos partidos e seus donos, dependente de grupos e blocos parlamentares e seus mal-intencionados líderes, espertos na prática de ‘criar dificuldade para vender facilidade’. Quando o Executivo propõe alguma medida para ser apreciada, esses partidos, grupos, blocos e parlamentares avulsos se posicionam imediatamente contra, antes mesmo de entender o conteúdo da proposta. Para boa parte desses políticos, ser contra é a chance de conseguir um cargo, a liberação de verba pública ou qualquer outra benesse.

Numa verdadeira democracia, como vemos na Europa ou na América do Norte, os partidos são fortes ideológica e programaticamente, têm unidade, são blocos coesos. Seus parlamentares ou membros partidários seguem a liderança maior que decide, indica o caminho e é obedecida. Nada de grupelhos de duvidosa reputação querendo complicar para fazer negociata; não há chance. O Executivo negocia em alto nível com a liderança da bancada e a direção partidária – é da essência democrática. Aqui, o governo tem de negociar (no mais amplo sentido) individualmente com deputado ou senador.

É lamentável que o presidente da República não tenha total liberdade sequer de escolher seus ministros. E por sua vez, os ministros também não têm autonomia para escolher suas equipes de trabalho. Tudo depende das indicações partidárias que nem sempre levam em conta competência e aptidão para o cargo. Tudo já foi antes negociado em troca de apoio na eleição. É assim que funciona. Causando atraso político-administrativo prejudicando a governabilidade. Mas aos protagonistas dessa situação isso pouco importa porque são pouco interessados em trabalhar pelo país.

O preocupante é que isso não é de agora. A deterioração da política brasileira vem ocorrendo há décadas. E nada é feito para mudar, ao contrário, tudo é feito para incentivar o ‘deixa como está’. Então, é natural que a situação continue se agravando.

Assim como a situação não se estabeleceu rapidamente, não será revertida de maneira rápida. É processo lento que depende, principalmente, de vontade de fazer. É trabalho quase didático que deve começar pela base, pelas pessoas que votam e elegem. Em pleno Século XXI políticos ainda são cassados pelo crime de compra de votos. É algo que faz pensar.

Isso tudo torna atualíssima a sentença do doutor Tancredo Neves, que do alto de sua experiência no meio declarou: “Há políticos com P maiúsculo e políticos com p minúsculo; aqueles pensam nas próximas gerações, estes pensam apenas nas próximas eleições”. E dá para acrescentar: no cenário atual, a predominância é dos minúsculos...

*Luiz Carlos Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado do Tocantins e ex-secretário do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Emprego do Município de Palmas-TO.