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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins

A demagogia atualmente é mais empregada do que discutida. Sua origem vem do grego antigo demos “povo” + agogos “liderar” que significa liderar o povo. Um demagogo é alguém que faz uso de táticas políticas manipulativas que buscam conquistar poder apelando a emoções, a preconceitos e a falsidades, em vez de debates racionais. Sócrates, nas palavras de Platão, tanto na “República” quanto na “Apologia de Sócrates”, criticava, ao mesmo tempo, a leviandade dos demagogos e a imprudência dos sofistas. Os primeiros eram alvos de desaprovação por descredibilizar as instituições de administração pública, os segundos por fornecer aos primeiros matéria-prima, isto é, os argumentos.

Com esse horizonte milenar retroativo, é bem possível afirmar que a demagogia seja uma presença constante na vida cotidiana. Claro, isso é reconhecer que seu efeito não é apenas sentido no campo político (também é reconhecer que a etimologia não tão restritiva quanto alguns pensam). Porém, nesse âmbito, em especial, sua evidência é um tanto quanto desconcertante.

Humberto Eco, semioticista italiano, em sua obra “O fascismo eterno”, explicita o quão danoso é o efeito da demagogia, voltando-se às raízes linguísticas, sociológicas e filosóficas do fascismo, uma vez ela que se utiliza de procedimentos perversos, como: da ignorância, do sentimentalismo e da subversão de valores (porque engana, dizendo X para que aconteça Y). Ora, alguém pode pensar: se a demagogia é ruim e mesmo perigosa, por que ainda existe? Eis um arremedo de resposta: ela não aparece como ela mesma (uma liderança perniciosa), mas como promessas, ou seja, como uma forma de governo (qualquer uma apresenta-se como a melhor e mais proveitosa).

É importante destacar que a demagogia não precisa necessariamente ser totalitária, já que, quando não o é, seu poder é ainda mais intensificado pelo número de expedientes de que carece sua manutenção.

Na política, a conservação do eleitorado requer estratégia demagógica para criar no candidato a áurea de um sujeito capaz, de um sujeito honesto, de um sujeito próximo ao povo. O candidato que ignora a demagogia (não há tal registro nos anais da História) simplesmente será “engolido” pelos demagogos. Portanto, parece haver certa perfídia da própria conjuntura eleitoral. Se não há como mudar as regras do jogo, é preferível que seus jogadores as entendam.

Se por um lado a demagogia parece ser inerente ao sistema político, por outro lado, qual sua exigência em outros campos?

A demagogia pode ser encontrada em praticamente todas as relações nas quais há gestão e liderança. Os pais que mentem para seus filhos para justificar alguma falta (deixar de comprar presentes etc.); os amigos que inventam alguma narrativa para que ganhem mais credibilidade; os professores que distorcem determinados fatos para que seus alunos compreendam a realidade segundo uma perspectiva (aqui se trata da velha dicotomia entre certo e errado, bem e mal etc.); os chefes que criam regras para seus “colaboradores”, fazendo-os de bobos. Depois dessas menções não seria possível deixar de lado a “nova” velhacaria, influencer (pode-se colocar no mesmo balaio o coach).

Pois bem, qual a conclusão pode-se retirar dessa atualização acerca da demagogia? Literariamente, que ela é uma dama promíscua que se deitou e continua a se deitar com que a deseja. Já, para se arrematar algum outro saber, colocar-se esta questão mais técnica: se a demagogia é integrante constituinte da política, o “Principe”, de Maquiavel, é uma obra demagógica? Sem sombra de dúvida, sim! Contudo, uma perspectiva mais antropológica pode querer concluir por meio de outra indagação: se toda relação na qual alguém precisa assumir a liderança é demagógica, a demagogia é inerentemente humana? Por certo, a demagogia parece mesmo fazer parte do agir humano. Em outras palavras, quem acha que demagogia pode ser eliminada não tomou conhecimento de suas raízes íntimas.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.