O Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou, nesta terça-feira, 27.5, com ação civil pública na Justiça do Trabalho contra a montadora de automóveis Build Your Dreams (BYD) e as empreiteiras China JinJiang Construction Brazil Ltda. e Tonghe Equipamentos Inteligentes do Brasil Co. (atual Tecmonta Equipamentos Inteligentes Brasil Co. Ltda.), que prestavam serviços exclusivos para a BYD. Em dezembro do ano passado, 220 trabalhadores chineses foram encontrados em situação análoga à escravidão e vítimas de tráfico internacional de pessoas. Eles foram contratados para construir a planta industrial da BYD no município de Camaçari, no Estado da Bahia.
Todos os 220 trabalhadores entraram no País de forma irregular, com visto de trabalho para serviços especializados que não correspondiam às atividades efetivamente desenvolvidas na obra. No canteiro de obras da construção da planta industrial da BYD, os agentes públicos encontraram trabalhadores amontoados em alojamentos sem as mínimas condições de conforto e higiene, com presença de vigilância armada, retenção de passaportes, contratos de trabalho com cláusulas ilegais, jornadas exaustivas e sem descanso semanal. Também constataram risco de acidentes por negligência às normas de saúde e segurança do trabalho.
O MPT pede a condenação da BYD e das outras duas empresas ao pagamento de R$ 257 milhões a título de danos morais coletivos, o pagamento de dano moral individual equivalente a 21 vezes o salário contratual, acrescido de um salário por dia a que o trabalhador foi submetido a condição análoga à de escravo, a quitação das verbas rescisórias devidas, além de cumprir as normas brasileiras de proteção ao trabalho e a não submeter trabalhadores a tráfico de pessoas e trabalho escravo. O órgão requer multa de R$ 50 mil para cada item descumprido, multiplicado pelo número de trabalhadores prejudicados.
Entenda o caso
Em outubro de 2024, o MPT iniciou a apuração das condições de trabalho na planta da BYD em Camaçari, na Bahia, após o recebimento de denúncia anônima. No dia 23 de dezembro, força-tarefa composta pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Defensora Pública da União, Ministério do Trabalho e Emprego, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal, resgatou 163 trabalhadores chineses da Jinjiang na construção da fábrica da BYD. Posteriormente, outros 57 operários da Tonghe também foram encontrados em situação análoga à escravidão e vítimas de tráfico de pessoas.
As condições de trabalho eram extremamente degradantes. Cinco alojamentos eram mantidos pela BYD, pela Jinjiang e pela Tecmonta (antiga Tonghe). Alguns operários dormiam em camas sem colchões e tinham seus pertences pessoais misturados com materiais de alimentação. Havia poucos banheiros, que não eram separados por sexo. Em um dos alojamentos, foi identificado apenas um sanitário para uso de 31 pessoas, obrigando os trabalhadores a acordarem por volta das 4h da manhã para higiene pessoal, antes de iniciar a jornada de trabalho.
As cozinhas funcionavam em condições igualmente alarmantes. Dos cinco alojamentos, apenas um possuía um refeitório. Entre as irregularidades, foram encontrados materiais de construção civil próximos aos alimentos. Em um dos quartos, ocupado por uma cozinheira, foram encontradas panelas deixadas abertas no chão, com alimentos expostos a sujeira e sem refrigeração para serem servidos no dia seguinte.
Além das condições degradantes no local de trabalho, as condições contratuais do vínculo empregatício caracterizavam trabalho forçado. Os trabalhadores eram obrigados a pagar caução, tinham até 70% de seus salários retidos, enfrentavam excessivo ônus de rescisão contratual, além de ter seus passaportes retidos pela JinJiang. A rescisão antecipada do contrato implicava a perda da caução e dos valores retidos, além da obrigação de custear a passagem de volta e restituir o valor da passagem de ida. Na prática, o trabalhador que rescindisse o contrato de trabalho antes de seis meses, deixaria o país sem receber nada pelo seu trabalho, configurando o confisco dos valores recebidos pelos trabalhadores ao longo da relação de trabalho.
A ação do MPT foi protocolada na 5ª Vara do Trabalho de Camaçari, após a negativa das empresas em firmar termo de ajuste de conduta.