Em que consiste a prática de estudar por si só? Há, atualmente, a possibilidade de alguém ser autodidata? Seria um método concorrente ao ensino formal? À primeira indagação, pode-se dizer, sem o comum medo de errar, que estudar é uma prática que se dá fundamentalmente na solidão. Quer dizer, o ato de estudar é solitário porque exige do estudante a interiorização de esquemas e de conteúdos (que ninguém, senão o estudante, pode realizar), mesmo que, em muitos casos, tal atuação seja mediada por profissionais da educação. Um dos exemplos mais emblemáticos da interiorização do estudo é o filósofo René Descartes, cuja produção intelectual se deu em longos períodos de reclusão, nos quais o pensamento solitário serviu como método de investigação e fundamento de sua filosofia. Seu “Discurso do Método” é, antes de tudo, a narrativa de um autodidata que busca organizar o saber por meio da dúvida metódica, sem depender da transmissão direta de mestres.
Ora, um contradizente pode questionar esse postulado asseverando o seguinte: “por que, então, os alunos estão sempre em grande quantidade nas salas de aula regidas por um professor, segundo grades de ensino?”. Como resposta, tem-se a explicação: “o professor segue um conjunto de diretrizes para auxiliar no desenvolvimento de determinadas habilidades nesses alunos, conforme os documentos norteadores da educação”.
Uma vez que não foi totalmente complementada a primeira pergunta do início deste texto, dá-se o seguimento à sua propositura elucidativa. Desse modo, entende-se que o pressuposto do estudo por si, isto é, como uma prática realizada em paralelo à aula, já está contido no estudo ofertado pelos aparelhos educacionais formais do estado, de maneira a ser um elemento não divisível do processo de ensino, antes, um subtendido teórico-metodológico de sua aplicabilidade. Nesse horizonte traçado por esse esclarecimento, emerge a razão de ser do estudo, se mediado ou por si só, não havendo escapatória para a atuação do autodidatismo. Eis que a segunda indagação inicial é, por extensão, respondida. Não existe a possibilidade de um estudante, que está efetivamente impregnado do processo de aprendizagem, deixar de se entregar ao autodidatismo, já que esse está perfeitamente compreendido no interior das complexas margens do aprender.
Resta, por fim, retomar a terceira indagação: o autodidatismo seria um método concorrente ao ensino formal? À primeira vista, tal antagonismo parece sugerir uma dicotomia ilusória. O autodidatismo, longe de rivalizar com o ensino institucionalizado, inscreve-se como seu complemento mais nobre e, em certo sentido, sua consequência inevitável. A escola, ao oferecer as bases estruturais do conhecimento e ao induzir a reflexão crítica, prepara o espírito para aquilo que nenhuma grade curricular pode abarcar integralmente: a sede insaciável de saber. Nesse aspecto, o autodidata não nega a escola, antes, a prolonga para além dos muros da instituição, dando continuidade, em outros registros, ao processo de formação iniciado em sala de aula.
Com efeito, o verdadeiro estudante é, sempre, um autodidata em potência. Quando lê um autor por indicação, mas prossegue por vontade própria; quando revisita um conceito fora da obrigação avaliativa; quando se permite errar, experimentar e criar trajetórias cognitivas autônomas, nesse instante, ele rompe a lógica do consumo passivo e se transforma em sujeito ativo do saber. É nessa zona fértil entre a orientação e a autonomia que floresce o autodidatismo autêntico: não como oposição à escola, mas como sua metamorfose criadora.
Assim, longe de ser um luxo reservado aos gênios ou uma prática marginal ao processo pedagógico, o autodidatismo emerge, no presente, como exigência de uma formação contínua e de um mundo em perpétua mutação. Num tempo em que o conhecimento se renova vertiginosamente, o hábito de estudar por si mesmo já não é apenas uma virtude, é uma necessidade ontológica de sobrevivência intelectual. E, nesse direcionamento, o autodidata não é o excêntrico que recusa o sistema, mas o cidadão do porvir, o arquétipo do aprendiz perpétuo que se recusa a abdicar da aventura do pensamento.
*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.