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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

O serviço público é, por definição, a espinha dorsal de qualquer nação que se pretenda organizada, justa e solidária. É um conceito frequentemente vilipendiado, reduzido a caricaturas de burocracia lenta e funcionários desmotivados. No entanto, para compreendê-lo em sua essência, é preciso olhar para além das falhas individuais e enxergar a estrutura que sustenta a sociedade, uma estrutura cuja importância a história comprova de forma irrefutável.

Desde os impostos que constroem estradas e hospitais até o professor que alfabetiza uma criança na escola municipal; do juiz que profere uma sentença ao pesquisador de uma universidade federal que desenvolve uma vacina, o serviço público é o tecido que impede o completo colapso na desigualdade. Ele é a materialização do pacto social: a ideia de que, coletivamente, podemos prover o que é essencial para todos, não apenas para quem pode pagar. Sem ele, reinaria a lei do mais forte, e direitos básicos como saúde, segurança e educação seriam mercadorias, não garantias.

Contudo, é ingênuo e contraproducente ignorar a complexidade humana que habita esta estrutura. O serviço público é feito por pessoas, com suas grandezas e misérias. Nele, encontra-se o funcionário dedicado, aquele que vê sua função não como um mero emprego, mas como uma missão. É o agente de saúde que percorre comunidades carentes, o servidor que se esforça para desembaraçar um processo complexo, o profissional que renuncia a salários mais altos no setor privado em nome de um propósito. São esses indivíduos que mantêm a chama acesa e justificam a existência do sistema.

Paralelamente, coexiste a figura do oportunista. Aquele que se abriga na estabilidade não para servir, mas para se acomodar. Que transforma a segurança do cargo em pretexto para a negligência, a lentidão e, em casos extremos, a corrupção. Esses agentes são um câncer que corrói a credibilidade do serviço, alimentam a desconfiança da população e dão munição para os que desejam desmontar o Estado. Suas ações, por mais isoladas que possam ser no conjunto, causam um dano desproporcional, manchando o trabalho de milhares de servidores honestos.

Este é o grande paradoxo e o desafio perene do serviço público: como uma instituição concebida para ser impessoal e técnica é, inevitavelmente, gerida por seres humanos passionais e falíveis. A história nos mostra que as maiores conquistas civilizatórias, desde o saneamento básico na Roma Antiga até a criação dos sistemas de previdência social no século XX, foram fruto da ação estatal, do serviço público organizado. Mas a história também registra os excessos, a corrupção e a ineficiência que podem emergir quando o controle e a ética se enfraquecem.

Portanto, a relevância do serviço público não é anulada por suas mazelas; pelo contrário, ela as torna ainda mais urgentes de serem combatidas. A solução não está em demolir o pilar, antes, em aprimorá-lo continuamente. Isso exige mecanismos rígidos de controle, transparência, avaliação de desempenho e, sobretudo, uma cultura de valorização do bom servidor e de responsabilização do mau.

O serviço público é um projeto inacabado e permanentemente desafiado. Reconhecer suas imperfeições é um ato de maturidade cívica. Mas defender sua existência e sua necessidade vital é um imperativo para qualquer sociedade que almeje ser minimamente justa e desenvolvida. A meta não é um serviço público perfeito, uma utopia inalcançável, mas um serviço público melhor, mais eficiente e mais humano, pois, no fim das contas, ele é um reflexo de nós mesmos, com nosso potencial para a grandeza e nossa propensão ao erro. Mais uma razão pela qual se deve lutar por ele.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.