Em recente viagem pelo Estado de São Paulo, estive em Aparecida, na imensidão da Basílica Nacional. Era o Dia de São Francisco de Assis, o santo que pregava a simplicidade, a fraternidade e o amor à natureza. E naquele dia, curiosamente, quem conduziu a celebração solene foi um franciscano com o mesmo espírito de paz e humildade: Dom Evaristo Spengler, Bispo da Diocese de Roraima.
Franciscano, de batina simples, barba por fazer e sorriso fácil, Dom Evaristo carrega nos gestos e nas palavras o mesmo equilíbrio que Francisco pregava: a fé que acolhe, a palavra que não impõe, o olhar que abraça. Ele é conhecido como um grande defensor do meio ambiente, alguém que entende que cuidar da criação é também uma forma de agradecer ao Criador.
Antes da celebração, cercado por fiéis, inclusive eu, e peregrinos, ele falou com a serenidade e a força de quem carrega o dom raro da palavra, nos convidou a uma reflexão. Disse algo que ecoa até agora: “De vez em quando, olhe para o retrovisor. Veja o quanto você já caminhou. Veja de onde Deus te tirou. Pare de reclamar e agradeça. Você é vitorioso.”
Aquela fala, curta e poderosa, me fez lembrar da música “Retrovisor”, de Gusttavo Lima, que fala das lembranças, da saudade e das marcas que o tempo deixa. Mas ali, nas palavras de Dom Evaristo, o retrovisor não era sinônimo de dor. Era símbolo de gratidão. A música também ensina a agradecer.
E eu, no meio daquela multidão, percebi o quanto o retrovisor da vida pode nos ensinar. Ele não serve para nos aprisionar no passado, mas para nos mostrar o quanto já vencemos. Serve para enxergar as tempestades que já superamos, as curvas que já dominamos, as quedas que nos ensinaram a dirigir a vida com mais cuidado.
Vivemos tempos em que reclamar virou hábito. Queremos o que falta e esquecemos o que já temos. Queremos sempre mais e, nesse movimento, deixamos de reconhecer que o “mais” muitas vezes está naquilo que já possuímos: a saúde, a paz, a família, o pão de cada dia, os amigos, o simples fato de estarmos vivos.
Dom Evaristo, sucessor de Dom Mário Antônio, arcebispo de Cuiabá, fala de espiritualidade com os pés no chão, fala do cuidado com a “Casa Comum”. Ele não prega a religião pela religião, mas a fé pela vida. A fé que se manifesta na gratidão, no respeito à natureza, no compromisso com os outros. Sua voz é calma, mas firme; sua palavra é simples, mas atinge fundo.
E foi ali, na Basílica, naquele dia consagrado a São Francisco, que compreendi o que ele quis dizer. O retrovisor da vida é uma bênção. Ele nos mostra o quanto já evoluímos, mesmo sem perceber. Mostra que o sofrimento de ontem foi o alicerce da força de hoje. Que as estradas acidentadas que enfrentamos lá atrás pavimentaram o caminho que agora percorremos com mais sabedoria.
Talvez o segredo da serenidade esteja exatamente nisso: em agradecer mais e reclamar menos. Em olhar para trás e ver, com humildade, que nem tudo saiu como planejamos, mas tudo saiu como precisava ser. Falando nisso, aprendi desde pequeno a pedir a Deus somente o necessário.
Portanto, quando o desânimo quiser te tirar da estrada, lembre-se da fala daquele bispo do extremo norte do Brasil, de batina simples e coração enorme. Olhe para o retrovisor. Veja o quanto caminhou, veja o quanto venceu, veja o quanto Deus, ou a vida, ou o tempo te conduziu, inclusive a vitórias invisíveis e inesperadas.
Porque olhar para o retrovisor não é viver de passado. É reconhecer que o caminho, por mais difícil que tenha sido, te trouxe até aqui. E isso, por si só, já é milagre.
Enfim, siga os ensinamentos do versículo bíblico e prepare o seu cavalo para a batalha vitoriosa que está por vir.
*Claiton Cavalcante é contador, membro da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis.