Na Faria Lima, a sensação de segurança voltou mais rápido do que a melhora real dos fundamentos. O mercado está operando como se o risco de crédito tivesse desaparecido, mesmo em um ambiente ainda de juros altos e crescimento moderado. A Selic está em torno de 15% e, embora a inadimplência tenha mostrado leve queda segundo o Banco Central, essa melhora é pontual e reflete um momento de defasagem do ciclo de crédito.
Os dados indicam que a inadimplência geral caiu para 2,9% no fim de 2024, e em alguns segmentos empresariais houve recuo adicional. Mas esse comportamento não elimina o risco estrutural. O crédito segue crescendo acima de 10% ao ano, segundo o FMI, e boa parte dessa expansão vem de operações com prazos longos e garantias mais frágeis. Essa combinação gera uma sensação de estabilidade artificial: o risco está sendo postergado, não eliminado.
Tecnicamente, os spreads de crédito vêm diminuindo, o que mostra que o investidor está aceitando menor retorno para o mesmo nível de risco. Isso ocorre porque o juro alto tem sido interpretado como sinônimo de proteção, quando, na verdade, amplia a sensibilidade das carteiras. O custo da dívida pesa cada vez mais, e qualquer deterioração de fluxo de caixa ou desaceleração econômica pode transformar essa estabilidade momentânea em um ciclo de inadimplência mais severo.
O mercado está precificando crédito como se já estivéssemos num ambiente de afrouxamento monetário, o que ainda não se confirma nas sinalizações do Banco Central. A curva de juros futura continua indicando Selic elevada por um período prolongado. Nesse contexto, o valor presente das carteiras tende a cair e o risco de perdas aumenta.
O movimento atual é típico de complacência financeira. A rentabilidade de dois dígitos na renda fixa e nos fundos de crédito cria a ilusão de segurança. A Faria Lima parece esquecer que crédito não é renda fixa. Juros altos não anulam o risco, apenas o tornam mais caro e mais sensível a choques.
Em síntese, a inadimplência ligeiramente menor não contradiz o alerta sobre risco. Ela apenas indica que o impacto total do ciclo de juros ainda não foi sentido. O crédito no Brasil continua crescendo em velocidade superior à da economia, e isso exige prudência. O mercado pode estar vivendo um falso equilíbrio antes de uma nova rodada de ajuste.
*Jaqueline Neo é superintendente de Câmbio e Crédito da be.smart

 
            
