Nesta semana estão ocorrendo, no âmbito da ONU, em Nova York, e a convite do governo norte-americano, em Washington, reuniões na tentativa de definir caminhos capazes de enfrentar o dramático problema das mudanças climáticas.
Não faltam informações inquietantes. No Brasil, Goiás, Tocantins, Piauí, Maranhão, Ceará, Pernambuco e até algumas áreas da Amazônia vêm enfrentando estiagem inédita. A cidade de São Paulo só teve em agosto 2% do nível habitual de chuvas no mês. A safra de café, com secas e chuvas excessivas, caiu 23,2%. As queimadas em unidades de conservação, este ano, são recordes: 30,5 mil de janeiro a agosto, 43% mais que no ano passado; fora delas também.
Em todo o mundo as informações são dramáticas. A retração dos gelos polares está sendo recorde este ano. O aquecimento agrava muito o problema da desertificação, diz a respectiva convenção, pois 250 milhões de pessoas já são vítimas em alguma medida e 1 bilhão poderá vir a ser. Da Austrália vêm informações de que os rios do leste do país perderam 70% de seu fluxo de água nas últimas décadas; as chuvas, embora com volume praticamente inalterado, estão-se deslocando no país; os reservatórios de água das maiores cidades estão com menos de 40% de sua capacidade preenchida; o país está tendo de recorrer à dessalinização, com altos custos energéticos e ambientais. A Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da ONU, adverte que a produção de trigo no mundo poderá ser insuficiente por causa de secas e inundações. "A vida da humanidade está em perigo com o aquecimento global", diz o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
E os prognósticos são cada vez mais preocupantes. James Hansen, o renomado cientista do Instituto Goddard (Nasa), afirma que a elevação do nível dos oceanos poderá chegar a mais de um metro neste século e vários metros nos seguintes, se as emissões de gases que intensificam o efeito estufa continuarem no ritmo atual (os oceanos, diz ele, estão subindo três centímetros a cada década e tendendo a subir mais, com o derretimento dos gelos polares e da Groenlândia). O derretimento acelerado nas montanhas do Himalaia ameaça 2 bilhões de pessoas que dependem da água que dali provém. Produzir alimentos no Nordeste brasileiro será cada vez mais difícil, alerta a Organização Meteorológica Mundial, com desertificação e salinização progressivas.
De certa forma, é melancólico constatar que, na verdade, nada disso é novo, que há muitas décadas já havia informações que indicavam a necessidade de mudar nossos modos de viver. Inclusive no Brasil. Um leitor deste espaço (José Luiz, que mora na Rua Bela Cintra, em São Paulo) envia cópias de matéria publicada há mais de 50 anos, em 17/4/54, pela revista Manchete, assinada por Daniel Linguanoto, com o título O Brasil está secando. Destino (infernal) do país do futuro. Ali o engenheiro José Seltzer, formado na Escola Politécnica, climatologista, com doutorado na Universidade da Califórnia, mostrava o que já estava acontecendo há mais de meio século: redução de 25% a 30% das chuvas no inverno e aumento de 5% no verão; as temperaturas máximas se elevavam em 3 graus Celsius; a temperatura média já se elevara 0,6 grau; o tempo médio de estiagem já passara de quatro para oito meses; a garoa desaparecia em São Paulo; os cafezais estavam entrando em decadência, etc., etc. "O Estado de São Paulo está secando, assim como o resto do país", advertia ele. Quem ouviu?
Quem ouvirá agora? Em Viena, no final de agosto, os representantes de 158 países chegaram a um acordo básico: é preciso reduzir as emissões entre 25% e 40% (sobre os níveis de 1990) até 2020, para evitar que a temperatura suba além de 2 graus. Mas não assumiram nenhum compromisso de efetivar essa redução. Ainda vão discuti-la no fim do ano na Indonésia, premidos pela necessidade de um novo acordo que, até 2009, substitua o Protocolo de Kyoto (que ainda nem foi de todo cumprido). Até aqui, só a União Européia assumiu compromisso de reduzir suas emissões em pelo menos 20% até 2020. E os especialistas acham indispensável baixá-las no mundo todo em 66% até 2050, para evitar que a temperatura suba além de 2 graus.
Brasil e mais sete países que, juntos, detêm 80% das florestas no mundo estão propondo que os países industrializados mais poluidores paguem pela conservação desses biomas, já que sua perda tem respondido por 18% das emissões totais (no Brasil, 75%). A resposta até aqui é vaga. A não ser que se leve em conta a proposta do secretário da Convenção do Clima, Yvo De Bôer, de que os países ricos paguem aos "emergentes" para que cortem suas emissões - e isentem, a eles, pagadores, de qualquer obrigação. Parece inacreditável.
Mas cresce a pressão interna nos Estados Unidos em favor de compromissos de redução. Numa pesquisa do jornal The Washington Post, 70% dos cidadãos se manifestaram a favor, porque consideram o clima o maior problema. Estados e a própria Justiça também pressionam o governo federal nessa área. Mas o governo Bush só aceita metas, não compromissos.
O Brasil, que está anunciando um novo inventário de suas emissões (provavelmente com a esperança de sair, com a redução do desmatamento na Amazônia, do incômodo quarto lugar entre os maiores emissores), diz que "passará a ter uma posição menos defensiva" (ministro Celso Amorim) e que assumirá metas internas (não compromissos).
De modo geral, o quadro leva a meditar no que diz o experiente Rajendra Pashauri, que durante uma década dirigiu o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas: "A ética não basta. Precisamos de mecanismos legais." O problema é que não temos nem regras, nem instituições capazes de promover as mudanças em escala universal. E nesse ponto, desde as discussões de 2002 na África do Sul, não se sai do lugar.
Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br