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Opinião

Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde

Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde

Passada a turbulência causada pelo processo de impeachment presidencial, cassação do presidente da Câmara Federal e a Operação Lava Jato se encaminhando para o final é o momento de se pensar seriamente no País e estabelecer uma ampla agenda para reorganização política e estrutural. Nesse contexto, evidentemente, estão as reformas previdenciária e trabalhista, já em discussão, e as demais que há tempo são citadas e nunca enfrentadas, como a tributária, a fiscal e a política, esta recebendo apenas remendos pontuais.

É necessário rever dispositivos como o sistema de indicação de ocupantes de cargos no Judiciário e Tribunais de Contas, priorizando funcionários de carreira e adoção de forma para que a escolha seja pelos membros dessas instituições sem influências externas, especialmente políticas. Quanto aos Tribunais de Contas, há na Câmara Federal uma proposta de Emenda à Constituição estabelecendo novos critérios que acabam com nomeações políticas que nem sempre atendem requisitos básicos para a função. O problema é que a matéria não anda, está em análise há mais de três anos.

A legislação eleitoral precisa de revisão para eliminar algumas distorções que não contribuem para a modernização e dinamização do processo. O instituto do foro privilegiado foi ampliado e se tornou obstáculo quando se trata de aplicação de punições a políticos que cometem desvio de conduta, ensejando protelações que levam à sensação de impunidade, por retardar a tramitação dos processos, aplicação das penas e cumprimento das sentenças condenatórias. Não faz muito, tivemos exemplo disso com o Mensalão, que quase chegou à prescrição.

Há também outro dispositivo, aplicado a parlamentares de todos os níveis, que igualmente retarda ações, é a imunidade parlamentar, conjunto de garantias dadas a senadores, deputados federais e estaduais e vereadores para que possam exercer as suas funções sem violações ou abusos. Tais garantias estão expressas na Constituição Federal. Todavia, o uso dessas prerrogativas deturpou-se, é muito comum parlamentares se abrigarem na imunidade até em casos de crimes comuns.

Ainda na reforma político-eleitoral há necessidade da cláusula de barreira, medida imperativa para fortalecer os partidos. O dispositivo, existente em vários países, no Brasil foi aprovado em 1995 e valeria a partir das eleições de 2006, mas não chegou a ser aplicado, porque antes do início da sua vigência foi declarado inconstitucional pelo STF. Agora, tramita nova PEC (Proposta de Emenda Constitucional) já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Esse projeto prevê uma cláusula de barreira com o objetivo de limitar o número de partidos em funcionamento no Congresso.

A norma tem inúmeros aspectos positivos, sendo o mais importante a natural eliminação de partidos sem representatividade, os chamados ‘nanicos’, criados e mantidos por lideranças que exercem amplos poderes sobres a siglas, usadas para interesses próprios. Basta observar que, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), trinta e cinco partidos estão registrados. Desses, apenas uma dúzia tem estrutura e representatividade nacional, os demais o eleitor desconhece até o nome. Vivem de coligações, geralmente barganhadas. Recente levantamento indica que se a cláusula de barreira estivesse em vigor o país teria entre doze e quinze siglas partidárias.

Um dos empecilhos para aprovar essa restrição é o argumento de que pequenos partidos (geralmente corporativos) acabariam. As lideranças, inclusive de partidos mais expressivos, fazem proselitismo porque têm interesse na agregação dessas siglas em coligações.

E falando em coligações, também estas deveriam ser proibidas nos pleitos proporcionais, para que os partidos se vissem obrigados a uma ampla estruturação a fim de disputar eleições com suas próprias condições, sem se apoiar em uma agremiação maior. Seria um dispositivo limitativo, pois as siglas sem potencial sucumbiriam de forma natural.

Mas esse não é o principal ponto negativo. As coligações são feitas por interesses de lideranças e muitas vezes entre partidos sem identidade ideológica entre si. Também são feitas em função de interesses regionais, partidos que em determinados estados ou municípios são adversários, noutros estão unidos, revelando que não têm linha ideológica e programática própria. Aliás, o assunto também é tema de debate no Congresso em torno de um anteprojeto no Senado que prevê a proibição de coligações partidárias nas eleições proporcionais (deputados e vereadores). Evidentemente, é longo o caminho entre a apresentação e a votação, o que demanda discussões e negociações, pois a maioria dos políticos não aceita mudanças que não lhes interessem, mesmo que sejam benéficas ao sistema.

Entendo, também, que o país precisa de uma nova lei dos partidos políticos, inclusive para estimular a participação dos brasileiros na política. Para citar apenas um exemplo, basta observar que os diretórios, núcleos dos partidos, são, via de regra, manobrados por lideranças de acordo com seus interesses e objetivos. O diretório hierarquicamente maior age discricionariamente sobre o menor (o nacional sobre o estadual e este sobre os municipais) e assim são formadas, instaladas e dissolvidas comissões provisórias. Essa situação passa à sociedade péssima imagem dos partidos e por consequência inibe o interesse do cidadão em participar da política, porque filiar-se a um partido é o caminho para exercício do direito de cidadania através da política.

Resumindo, esta é uma pauta mínima que pode e deve ser acrescida, inclusive com ações positivas do governo que independem de legislação, mas sim de projetos e programas específicos. Se isso for feito, a classe política sairá fortalecida, reconquistará o respeito e o apoio da população.

Acredito que este é o momento, especialmente depois da Lava Jato, inegavelmente um dos maiores acontecimentos da atualidade, vigoroso passo à frente na restauração da credibilidade e da confiança nacional de que o Brasil pode ser um novo país em termos de decência política e de seriedade na gestão pública. No que diz respeito ao término da impunidade de maus políticos e gestores públicos, a Lava Jato é um divisor de águas. Entretanto, passar o Brasil a limpo não se restringe apenas em punir os desvios, mas adotar e implementar programas de interesse nacional, atualizar a legislação política e promover as reformas estruturais. E a população deve se empenhar em participar da vida política e colaborar na fiscalização. Tudo isso depende de vontade política e espírito público.

Luiz Carlos Borges da Silveira é médico, ex-ministro da Saúde, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado do Tocantins e ex-secretário do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Emprego do Município de Palmas-TO