A 2ª edição de Seminário de Direito à Terra e Conflitos Agrários trouxe à sede da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE/TO) representantes do Poder Judiciário, comunidade acadêmica e de movimentos sociais para discutir e aprimorar estratégias de atuação quanto aos conflitos agrários. Dentre uma série de palestras e debates, o discurso de Fátima Barros, liderança quilombola da Ilha de São Vicente, no Bico do Papagaio, emocionou e os participantes.
Ela fez um resgate histórico, lembrando que a violação de direitos na sua família já perdura há séculos. “Peço licença aos mais velhos da minha família, aos meus ancestrais, aos mais jovens da minha e às futuras gerações para falar em nome do nosso povo porque a nossa luta é coletiva, de uma família, de uma geração, do povo negro quilombola que já sofre há tempo com retiradas de direitos há séculos. Não estamos falando só dos conflitos da atualidade, falamos de retiradas de direitos desde os primeiros que foram trazidos para essa sociedade para serem escravizados. A minha família está na Ilha de São Vicente desde 1865 e, mesmo depois de todo período de ocupação desse território, no ano de 2010, fomos despejados, tivemos as nossas casas incendiadas e tudo o que nos restou foi a perspectiva de fazer a luta, de não viver sem esperança e de nos empoderarmos cada vez mais”, resgatou.
Ilha de São Vicente, onde Fátima reside e é líder, é uma comunidade quilombola em ilha fluvial no Rio Araguaia. Para participar do Seminário, Fátima viajou por mais de 600 quilômetros, com o intuito de propagar ‘o grito da comunidade’, como ela mesma preferiu identificar. “Eu sei de todo o retrocesso, até mesmo de pequenos direitos que o povo negro alcançou. Outrora nós sabíamos que os inimigos eram os pistoleiros, jagunços, mas hoje temos inimigos que nem sequer sabemos quem são, pois se disfarçam como proprietários de grandes empreendimentos e até o próprio estado que também nos violenta”, revelou.
Ao relembrar que a violação de direitos da sua comunidade acontece desde os tempos de escravidão, Fátima reforçou que não há mais tempo para se calar. “O silêncio é tudo que nos impuseram durante séculos e hoje estamos à tona para romper com esse silêncio. O que hoje estamos vivendo é gravíssimo e a mesma mão que apertou o gatilho que matou o Padre Josimo, agora acende uma tocha e queima o assentamento que o homenageia no nome no Bico do Papagaio com 80 famílias que estão sem amparo. Os ataques são constantes, mas isso não pode nos barrar. Nós conhecemos o sol, o solo, o ciclo da terra e o fruto de todo esse racismo ambiental e institucional que nós sofremos, ele vai ser colhido não só pelos quilombolas, indígenas ou quebradeiras de coco, mas por toda sociedade brasileira e pelo mundo porque já estamos vivendo a crise hídrica e com certo viveremos outras crises”, anunciou.
A finalizar, a líder quilombola falou diretamente às lideranças presentes no debate, pedindo que sua mensagem seja propagada. “Peço desculpas porque aqui tem um público jurídico com falas bem mais lúcidas do que a minha, mas eu vim mesmo foi para desequilibrar e trazer para vocês esse grito de alerta. Nós do campo realmente carecemos que a Justiça nos veja de forma diferente, que seja feito um outro processo, que não seja o que apadrinha esse modelo de desenvolvimento e esse modelo de Governo que só fala no desenvolver. Mas hoje a gente prega que queremos tirar esse “DES” e apenas “ENVOLVER” as nossas comunidades, envolver de vida, de esperança, de alegria de um futuro melhor".
Seminário
A 2ª edição do 2ª edição de Seminário de Direito à Terra e Conflitos Agrários foi uma realização do DPAGRA – Núcleo da Defensoria Pública Agrária em parceria com o Cejur – Centro de Estudos Jurídicos, da DPE-TO – Defensoria Pública do Estado do Tocantins, e aconteceu no auditório da Instituição. O evento contou com o apoio da APA-TO – Alternativas para a Pequena Agricultura do Tocantins, Coeqto- Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins, Ministério Público Federal e Tribunal de Justiça. A programação trouxe palestras e debates com a participação do Poder Judiciário, comunidade acadêmica e de movimentos sociais para discutir e aprimorar estratégias de atuação quanto aos conflitos agrários.