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Fitilho atrai os peixes para a rede

Fitilho atrai os peixes para a rede Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Fitilho atrai os peixes para a rede Fitilho atrai os peixes para a rede

A recente divulgação de um experimento realizado pela Embrapa Pesca e Aquicultura que mostrou aumento de mais de 50% na pesca com rede, utilizando fitilho como isca artificial, causou controversa entre praticantes da pesca esportiva e pessoas ligadas ao setor do turismo no Tocantins. Para Felipe Tavares, o uso de rede é uma prática retrógrada que coloca em risco o estoque pesqueiro da bacia Araguaia-Tocantins. “O estoque pesqueiro do Lago de Palmas já é bem baixo. Isso vai na contramão do turismo da pesca esportiva que é auto sustentável e não degrada a natureza”, afirmou o praticante, que também é proprietário de uma pousada de pesca na Ilha do Bananal.

O guia de pesca esportiva Alex Silva compartilha da mesma opinião. Para ele, a técnica desenvolvida pela Embrapa poderá ajudar a reduzir ainda mais o número de peixes nos rios. “Será mais uma forma de matar mais peixes. O Brasil é o único, ou um dos únicos países que autoriza a prática da pesca extrativista em águas interiores. O pesquisador diz que a nova técnica tende a um aumento da produtividade, mas extrativismo não é produtividade, pois não produz nada, só retira”, disse.

O experimento foi realizado no Rio Araguaia, no município de Caseara/TO. De acordo com a Embrapa, foram utilizados fitilhos e bastões de luz fixados às redes de emalhe lançadas ao rio. Os resultados mostraram ganhos de 55% com o uso das iscas artificiais.

Imagem mostra material fixado às redes de pesca utilizados como isca artificial no experimento (Fotos: Adriano Pryston/ Embrapa)

Questionado a respeito dos possíveis impactos negativos da técnica, o coordenador da pesquisa, Adriano Prysthon, não discorda que eles possam existir, desde que a pesca seja mal manejada. Segundo ele, a pesquisa forneceu resultados positivos para comunidades que têm a pesca como principal fonte de renda, mas faltam informações sobre o setor da pesca artesanal – como produção, espécies capturadas, esforço empregado nos estoques e renda. “O que se sabe até o momento é que o esforço de pesca empregado nos últimos dois anos (2019 e 2020), avaliado pela Embrapa em algumas comunidades-piloto no rio Araguaia, tem nos sinalizado que os estoques permanecem presentes, com oscilações sazonais e safras bem definidas de algumas espécies”, afirmou o pesquisador.

Para Prysthon, um dos aspectos positivos do experimento com fitilhos é que os resultados sugerem a necessidade de melhores estudos para avaliar o impacto nos estoques e na cadeia produtiva. “Se temos informações sobre a pesca, podemos regular efetivamente a captura e acabar com a sobrepesca, pesca ilegal não declarada e não regulamentada e práticas de pesca destrutivas, e implementar planos de gestão com base científica, a fim de restaurar os estoques de peixes no menor tempo possível, pelo menos a níveis que possam produzir o rendimento máximo sustentável conforme determinado por suas características biológicas”, disse.

Estoque pesqueiro

Sem estudos e evidências científicas dos impactos da pesca artesanal no estoque pesqueiro da bacia, os praticantes da pesca esportiva dizem observar na prática a redução dos cardumes. Com 21 anos de prática e proprietário da primeira agência de pesca esportiva do Tocantins, Alex Silva diz ter notado isso ao longo dos anos. “É nítida a diminuição do estoque pesqueiro de todos os roteiros onde atuo. Além da pesca extrativista, houve um aumento da pesca irregular com arpão, que é uma pesca ilegal para fins comerciais, com isso o Tocantins perdeu o status de Nova Meca da pesca esportiva, justamente por causa desses mergulhadores que abatem para venda”, afirmou.

“Atribuo essa diminuição à pesca predatória. A maioria dos locais onde eu pesco são reservas. Hoje a gente só consegue achar peixe nesses lugares. Em locais como Palmas e cidades próximas, os pesqueiros estão praticamente zerados, com espécimes bem menores do que antigamente. Hoje o tucunaré-azul, que tinha em torno de 50 ou 60 cm, só se acha no Lago de Palmas com 20 ou 30 cm”, disse Felipe Tavares que pratica pesca esportiva há cerca de 10 anos.

Para o pesquisador Adriano Prysthon, não há evidências de que a atividade das comunidades pesqueiras, como colônias de pescadores e aldeias indígenas, possa causar tais impactos. Para ele, o principal problema é o modelo de desenvolvimento insustentável na Bacia Tocantins-Araguaia, e sua consequente degradação generalizada dos ecossistemas continentais. “Exemplos desta degradação é o barramento por hidrelétricas, políticas públicas inadequadas para a pesca artesanal, falta de assistência técnica, uso indiscriminado de defensivos agrícolas, perda de vegetação nativa e alteração das características hidrológicas e morfológicas de mais de 80 mil km2 na bacia do rio Araguaia, expansão agrícola e pecuária desordenada na bacia do rio formoso/áreas indígenas/APPs, falta de participação popular nas tomadas de decisão da pesca, entre outros. Tal modelo de desenvolvimento prejudica inclusive a pesca esportiva o e turismo”, avaliou.

Tanques-rede

Os praticantes da pesca esportiva sugerem o uso de tanques-rede como alternativa à pesca predatória. “Esse é o futuro da pesca, a criação. Tudo é criado para consumo, como gado, porco, galinha, ovos etc. Por que o peixe tem que ser tirado da natureza?”, questionou Alex.

“Em vez de ir atrás de matar o peixe para poder vender, cria-se o peixe no tanque-rede e só se tem o trabalho de alimentar durante um tempo. Depois esse pescado é vendido com certificado. Normalmente cria-se tambaqui, tilápia, pirarucu, várias espécies consumidas pelo mercado brasileiro”, sugeriu Felipe.

Segundo Prysthon, a Embrapa já desenvolve projetos de cultivo em tanques-rede no Assentamento Sucupira, em Palmas, desde 2017. Outras parcerias com municípios que compartilham o Lago da hidrelétrica de Lajeado estão previstas para 2021.

Entretanto, o pesquisador afirma que há registros científicos de comunidades pesqueiras que não se adaptaram à piscicultura, por diferentes motivos, e decidiram permanecer na pesca artesanal. “Ambas as cadeias produtivas podem coexistir. A Embrapa vem contribuindo significativamente para a mudança de mentalidade degradante e preconceituosa que existe em torno da pesca artesanal. Mas a principal mudança que vem ocorrendo na bacia Tocantins-Araguaia é na governança. Neste sentido, as comunidades pesqueiras têm a possibilidade de criar e fortalecer um ciclo virtuoso de autoconhecimento dos pescadores sobre e importância da pesca artesanal na produção de alimentos de origem animal, geração de trabalho e renda, na prestação de serviços ambientais, na segurança alimentar e na ancestralidade (no caso dos indígenas)”, afirmou.

Ainda segundo o pesquisador, somente a Embrapa não conseguiria promover a produção sustentável, sendo necessário o envolvimento de diferentes instituições e missões. “Gestores públicos em diferentes esferas estão sendo provocados a estabelecerem uma agenda positiva para essa cadeia produtiva em seus municípios/região, sendo a principal delas a criação e manutenção de um programa de monitoramento participativo da pesca como política permanente de geração de dados”, concluiu.

Os resultados completos da pesquisa de Prysthon estão disponíveis na publicação Iscas artificiais de baixo custo para as redes de emalhe da pesca artesanal, rio Araguaia, Tocantins.

 Felipe Tavares pratica pesca esportiva há cerca de 10 anos e possui pousadas de pesca no Tocantins e Pará (Foto: Arquivo Pessoal)