Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), na tarde dessa quarta-feira (6), os debatedores criticaram a tentativa de privatização da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). O projeto que trata do assunto foi aprovado na Câmara dos Deputados, no início do mês de agosto, e agora está em análise no Senado (PL 591/2021). O presidente da CAE, senador Otto Alencar (PSD-BA), coordenou o debate.
O senador Márcio Bittar (MDB-AC), autor do requerimento para a audiência e relator do projeto de privatização dos Correios, afirmou que é importante ouvir vários pontos de vista. Segundo o senador, se a privatização dos Correios for confirmada, a empresa que vencer o leilão terá de manter o monopólio. Ele também disse que “nos últimos 20 anos” os Correios não deram lucro e disse temer que, daqui a alguns anos, a empresa perca valor. "O fato de o Estado conceder um serviço à iniciativa privada não tira o direito do poder público de desfazer o contrato", afirmou o senador.
Márcio Bittar disse que a ideia de uma empresa ser melhor apenas por ser pública não corresponde à realidade. Ele citou o fundo de previdência Postalis, da própria ECT, que tem passado por problemas de gestão. Para o senador, também é questionável o conceito de o serviço público ser mais barato. Ele disse que, com os subsídios, é o povo brasileiro que paga, pesando principalmente para os mais pobres. "Eu sou alinhado às ideias, não sou alinhado incondicional de ninguém. Meu gabinete está aberto para ouvir", declarou o relator.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) afirmou que o relator não é obrigado a manter o texto da Câmara dos Deputados, mas pode propor alterações. Segundo o senador, um projeto que mexe com um setor estratégico merece muito debate. Ele lembrou que já existem outras empresas que ofertam serviços de logística e destacou que os Correios não dependem do custeio do governo.
Para o senador, não faz sentido vender uma empresa tão estratégica e lucrativa. Ele disse, porém, que os Correios podem tentar outras medidas de capitalização e atuar em outros serviços. Jean Paul sugeriu ao relator ponderar a possibilidade de prever etapas para o processo de privatização dos Correios e fazer “do limão uma limonada”.
"É uma das maiores empresas de logísticas do mundo, com quase 100 mil funcionários. São 11 linhas aéreas e 1.500 linhas terrestres em operação", afirmou o senador, ao se declarar contrário à privatização.
Na opinião do senador Paulo Paim (PT-RS), a privatização dos Correios é desnecessária. Ele disse que não interessa ao povo essa privatização. Para o senador, se houver privatização, haverá muito lucro para a iniciativa privada e serviços de pouca qualidade para o povo. Paim ainda lembrou que nos Estados Unidos, “país adepto às privatizações”, o serviço de correios é mantido pelo poder público. "Precisamos de mais debates. Com tudo esclarecido, acredito que não haverá privatização", sugeriu Paim.
Extensão
O vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), Marcos César Silva Alves, informou que os 20 maiores países do mundo em extensão têm serviços públicos de correios. Segundo Alves, dos cerca de 200 países no mundo, em apenas oito os correios são totalmente privados. Ele acrescentou que a soma desses oito países ainda é menor que o estado do Mato Grosso. Alves também chamou a atenção para o déficit previdenciário da ECT, que é grande. Para Marcos César, uma possível privatização poderá fazer o prejuízo ficar apenas para os trabalhadores. "Com esse projeto de privatização, estamos na contramão do mundo", alertou o vice-presidente da Adcap.
Marcos César Alves citou uma pesquisa para apontar que os Correios são a terceira instituição de mais confiança dos brasileiros, atrás apenas da família e dos bombeiros. Segundo Alves, a empresa está presente em praticamente todos os municípios, apesar de conseguir superávit em apenas 324 municípios. Ele disse que os Correios são responsáveis pela integração do país, praticam umas das tarifas mais baixas do mundo e custeiam suas próprias despesas, sem depender do Estado. Conforme informou Alves, o lucro foi de R$ 1,53 bilhão em 2020, e a previsão é que esse lucro dobre em 2021.
Inconstitucional
Na visão de Marcos César Alves, o projeto de privatização dos Correios é inconstitucional, já que a Constituição de 1988 diz que compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional (art. 21). Para a privatização ocorrer, argumentou, só seria possível por meio de uma proposta de alteração constitucional. Ele também disse que a diferenciação de serviços prevista no projeto, como a postagem de cartas e preços sociais, é uma forma de mascarar o aumento das tarifas que virá. Alves afirmou que projeto também cria um monopólio privado – o que também seria inconstitucional. "O projeto é inconstitucional e lesivo para os brasileiros, além de prejudicar as pequenas e médias empresas. Esperamos que o Senado não aprove esse projeto, sepultando de uma vez por todas essa má ideia", pediu o vice-presidente da Adcap.
Na mesma linha, o secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares, José Rivaldo da Silva, afirmou que o projeto ofende a Constituição. O secretário pediu mais debate sobre o tema e criticou o projeto de privatização. Ele disse que os Correios são uma representação do próprio governo federal em todos os municípios, levando serviços do Enem, documentos do INSS e da Justiça Eleitoral. Segundo José Rivaldo, a privatização dos correios de Portugal pode servir de exemplo para o Brasil. Ele contou que os portugueses hoje fazem campanha pela volta dos serviços públicos de correios. "Os Correios trazem cidadania e integração para o Brasil. A grande maioria das pequenas cidades serão prejudicadas com a privatização. Essa empresa precisa ser mantida pública", afirmou José Rivaldo, que ainda sugeriu parcerias com outras empresas para ampliar serviços e aumentar o lucro dos Correios.
Ao responder ao senador Márcio Bittar, José Rivaldo disse que, entre 2002 e 2020, o lucro dos Correios foi de R$ 12 bilhões, dos quais R$ 7 bilhões foram repassados ao governo federal. Ele informou que a projeção até 2030 é de lucro, pois o serviço de e-commerce tende a crescer. José Rivaldo aproveitou para cobrar mais investimentos do governo em tecnologias e trabalhadores. Segundo José Rivaldo, a ECT tinha 128 mil funcionários em 2012 e hoje tem menos de 100 mil.
Para o presidente do Sindicato dos Correios de São Paulo, Grande São Paulo e zona postal de Sorocaba (Sintect-SP), Elias Cesário de Brito Junior, a ECT não é apenas uma empresa, mas uma parte do patrimônio brasileiro. Ele lembrou que, nas grandes tragédias brasileiras, os funcionários dos Correios sempre se fizeram presentes, levando suprimentos e doações. Segundo Elias Junior, as pequenas empresas serão prejudicadas com a privatização dos Correios. Ele disse que a ECT é um símbolo da igualdade entre o povo, já que está presente em todos os municípios e presta serviços para todas as classes sociais. "Entregar os Correios hoje é um crime e uma falta de inteligência. Vai além dos trabalhadores dos Correios, é uma questão nacional. Os Correios precisam ficar nas mãos dos brasileiros. Eu sou Correios, o Senado é Correios, todos os brasileiros são Correios", disse Elias Júnior, que informou ter 29 anos de empresa.
Interativa
A audiência foi realizada de forma interativa, com a participação de cidadãos por meio do portal e-Cidadania. O presidente Otto Alencar citou algumas participações. Katerine Fortunato, de Minas Gerais, e Bruno Pires, de São Paulo, criticaram o projeto de privatização. Jeová Chagas, de Minas Gerais, disse que a ECT é de vital importância e informou que vai torcer pela manutenção do serviço público. Já Rogério da Silva, do Rio de Janeiro, afirmou que o serviço dos Correios hoje é ineficiente e apontou a privatização como um bom caminho. (Agência Senado)