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Opinião

Foto: Divulgação

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Nessa próxima semana o Supremo Tribunal Federal poderá alterar os rumos das eleições de outubro. Está na pauta da Corte a análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADIs) 7042 e 7043 que discutem a constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei 14.230/2021, que alteraram, substancialmente, a Lei de Improbidade Administrativa. Destaque-se que, para além das questões apontadas nas ADIs, como por exemplo, a exclusividade da legitimidade do Ministério Público para promover as ações de improbidade, o Supremo irá discutir a possibilidade da aplicação retroativa da nova lei, fato que terá sensível implicação para as eleições de 2022, uma vez que agentes públicos que estão hoje impedidos de concorrer ao certame, podem ter sua situação alterada com a aplicação imediata das alterações impostas pela referida lei.

Ressalte-se que, uma das mais importantes alterações está na exigência da comprovação do dolo da conduta do agente público. Muitos políticos foram condenados por improbidade administrativa, com pesadas sanções, inclusive com a perda de cargo público e suspensão dos direitos políticos, sem que houvesse agido com a intenção de lesar o erário.

O Supremo Tribunal Federal tem em suas mãos a possibilidade de separar o joio do trigo e definir uma diretriz para novos casos. Mas para que tenhamos a dimensão da importância da decisão da Corte Suprema, há que entender o que efetivamente é um ato de improbidade. Assim, evitando-se a desinformação que reina em boa parte da imprensa brasileira, leve a população entender que a alteração é um retrocesso ou um caminhar para impunidade, como lançou o Procurador-Geral em seu parecer.

O ex-ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de um agravo em recurso especial, afirmou que: "A Lei de Improbidade Administrativa, como todos sabemos, nasceu com a finalidade de combater e sancionar as condutas dos agentes de atos que afetem a moralidade e maltratem a coisa pública; os seus comandos, todavia, são bastante abertos, havendo, portanto, a necessidade de utilizá-la com certa prudência, a fim de que o próprio instrumento jurídico não seja enfraquecido e se torne impotente, vulgarizando-se pelo excesso de sua utilização ou, até mesmo, que seja utilizado como mero mecanismo de repercussão nos elementos de disputa e competição eleitoral, por exemplo". Já o ministro Garcia Vieira (REsp 213.994), destacou que a Lei de Improbidade "alcança o administrador desonesto, não o inábil".

Pois bem, o artigo 10 da Lei de Improbidade, com a redação antiga, apontava a possibilidade do reconhecimento de ato de improbidade quando o agente público causasse danos ao erário culposamente, ou seja, quando não agisse com a intenção de causar o dano, mas por negligência, imprudência ou imperícia grave causasse um prejuízo ao ente público. Tínhamos a figura do "desonesto por culpa".

O ministro Napoleão Nunes Maia, antes mesmo do início da tramitação do projeto de lei, já sinaliza sua preocupação em relação à imputação de ato de improbidade por culpa do agente público, senão vejamos: "O elemento subjetivo (dolo ou culpa) exigido para a configuração dos atos de improbidade traz à discussão a proposição dilemática de saber se o cometimento culposo dessa infração administrativa é (ou não) idêntico, similar ou igual ao cometimento doloso e, portanto, passíveis ambos da mesma sanção".

Com efeito, em boa hora o novo texto exclui a imputação de ato de improbidade por culpa do agente público. Não se pode olvidar que improbidade administrativa é ato de desonestidade do gestor público no trato da coisa pública. Ato de improbidade, por exemplo, é comprar camisinha feminina para fornecer no Sistema Único de Saúde, pagar antecipadamente, saber que a empresa contratada não irá entregar e anuir com isso.

No entanto, muitos irão pensar que isso resultará em impunidade para o mau gestor ou para gestor incompetente. Não é verdade! A nova lei preconiza que o gestor que agir de forma imprudente ou negligente na condução da coisa pública e causar prejuízo deverá ser responsabilizado civilmente, mas não sofrerá as graves sanções da Lei de Improbidade Administrativa, que devem ficar reservadas, exclusivamente, para o agente que deliberadamente causar prejuízo aos cofres públicos.

Dessa forma, a alteração legislativa não gerará impunidade para o gestor público desonesto, mas, sim, deixar de "medir com a mesma régua" o agente negligente, imprudente ou imperito que causa prejuízo aos cofres públicos com a sua falta de cuidado.

Cumpre destacar, por oportuno, que a ofensa ao artigo 10 da Lei de Improbidade impunha ao gestor público que agisse com dolo ou com culpa a mesma penalidade, ou seja, impõe indistintamente as sanções do artigo 12, II, da LIA, que importam em severas restrições ao causador do dano, consoante se depreende do texto legal em vigor: "II — na hipótese do artigo 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos".

Diversamente do que apontam os cavaleiros do apocalipse, nesse ponto específico da alteração da Lei de Improbidade não se vislumbra retrocesso ou causa de impunidade, mas, sim, uma correção de curso.

No entanto, a correção do curso somente será completa se o STF permitir a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021, alcançando condenações passadas por atos de improbidade sem dolo. Há muitos agentes públicos nessa situação, condenados, com sanções pesadíssimas, com perda do cargo público – inclusive concursados – que agiram culposamente, ou seja, sem a intenção de causar lesão ao erário.

Não se pode esquecer uma regra básica do direito, qual seja, que lei novas (novatio legis), de natureza material (como a Lei 14.230/2021), mais benéficas devem ser aplicadas retroativamente, alcançando, indistintamente, fato pretéritos, independentemente, de quem sejam os “beneficiados”. São regras que aprendemos no primeiro semestre do curso de Direito e, assim, espero, firmemente, que os senhores ministros se lembrem dessas aulas ao proferirem seus votos nesse e nos todos os outros temas correlatos.

 Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, professor convidado da Escola Paulista de Direito, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP, e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.