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Opinião

Foto: Divulgação

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O doleiro nada mais é que um operador de câmbio paralelo, que não tem autorização para exercer tal atividade, e mesmo assim negocia moedas estrangeiras por fora do sistema oficial de transações financeiras. As negociações costumam ser realizadas em dólar ou qualquer outra moeda. Entretanto, toda operação de câmbio deve ser realizada por meio de instituições bancárias oficiais ou agentes autorizados pelo Banco Central, sob pena da prática de crime. 

Importante analisarmos tecnicamente como será responsabilizado um doleiro em uma investigação policial e eventual ação penal a ser instaurada tanto em crimes e esquemas de lavagem de dinheiro, dentro do território brasileiro - que serão julgados então pela justiça estadual -, como crimes transnacionais - julgados pela justiça federal brasileira -, que envolvem transações financeiras no exterior destinadas aos paraísos fiscais, com o objetivo de lavar um dinheiro oriundo de uma atividade anterior tipificada penalmente (crime antecedente), muitas vezes em um cenário de tráfico de drogas internacional. 

As sanções para a atividade do doleiro estão previstas no artigo 16, da Lei 7492/86, a Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro, que pune expressamente as operações de câmbio não autorizadas pelo Banco Central com a pena de um a quatro anos de reclusão e multa. Neste artigo penal, está previsto expressamente como núcleo penal (verbo do artigo tipificado na lei) o ato de “fazer” ou “operar” sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declaração (vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio.

O doleiro muitas vezes realiza operações de dólar-cabo e pode ser acusado de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Nesse modelo de operação uma pessoa denominada “X” transfere dinheiro para o exterior sem a devida comunicação ao Banco Central para um doleiro “Y”, e esse doleiro “Y”, através de uma empresa “Z” no exterior, transfere o dinheiro para a pessoa “X” proprietária do dinheiro de origem que compra imóveis, aeronaves e outros bens, em seu próprio nome, por exemplo, em contas bancárias em países paraísos fiscais (que possuem encargos e obrigações tributárias reduzidas para pessoas físicas ou jurídicas e para suas movimentações financeiras internas ou externas), as famosas offshores, ou até mesmo em nome de terceiros “laranjas”. Muitas vezes também podem trazer o dinheiro de volta ao país de origem, com os valores limpos e "lavados" por meio de transações financeiras fictícias.  

Existe uma corrente no Judiciário que entende causa supralegal de exclusão de ilicitude do doleiro, quando ocorrerem três situações aceitas pela doutrina e jurisprudência, quais sejam: consentimento do ofendido; insignificância e adequação social. Importante lembrar que para existir processo crime contra alguém em razão dos crimes previstos e punidos na Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro os valores das transações devem ser superiores a R$ 10 mil - valor utilizado como limite pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal e Justiça Federal. Vale destacar que existem brechas na Lei que favorecem a tese de aceitação socialmente do doleiro, a depender da individualização da sua conduta face a cada caso em concreto.

Assim sendo, conclui-se que o doleiro pode ser acusado do crime de lavagem de dinheiro (branqueamento de capitais como é chamado em Portugal e Europa), previsto e punido no Artigo 1, da Lei 9.613, de 03 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf; entre outras providências. O núcleo penal dessa legislação é o ato de “ocultar” ou “dissimular” a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente de infração penal, com pena de reclusão de três a 10 anos.

E, além disso, o doleiro pode ser indiciado e acusado em uma operação policial pelo crime de evasão de divisas, previsto e punido no artigo 22, caput e parágrafo único, da lei 7.492/86, que dispõe expressamente como fato típico o ato de efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do país, tendo como pena de reclusão de dois a seis anos e multa. 

O doleiro pode ser enquadrado também na Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, e que prevê em seu artigo 2 a configuração de organização criminosa como o ato de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, com pena de reclusão de três a oitos anos e multa, sem prejuízo das penas das demais infrações penais praticadas. É correto dizer que para configuração da organização criminosa devem estar preenchido todos os requisitos para tanto, quais sejam: a quantidade mínima de integrantes, a existência de hierarquização, a obtenção de vantagem, dentre outras.

Exemplo recente foi a operação da Polícia Federal e a Receita Federal que mirou um grupo de doleiros que teriam movimentado mais de R$ 4 bilhões em dezenas de contas bancárias em nomes de empresas ‘fantasmas’. Foram apreendidos R$ 1.246.000,00. De acordo com a PF, o inquérito tem como alvo doleiros que "se dedicaram, por anos, a operar esquema financeiro paralelo, atendendo clientes que buscam mover, no anonimato, grandes volumes de recursos". A apuração constatou o uso de empresas de fachada, com sócios laranja, para a abertura de contas bancárias. Segundo as investigações, as empresas eram usadas para movimentar recursos de clientes do esquema criminoso, muitas vezes com a remessa dos valores ao exterior. As remessas se davam por meio de operações dólar-cabo, importações simuladas ou superfaturadas e a utilização de criptoativos. Além disso, foram encontrados indícios de participação de um intermediador cambial e um despachante aduaneiro. Assim, os crimes apurados são de gestão fraudulenta de instituição financeira; operação sem autorização de instituição financeira, inclusive de câmbio; uso de falsa identidade para realização de operação de câmbio; e evasão de divisas.

Portanto, é fundamental pensarmos que da mesma forma que as transações financeiras internacionais, hoje, ocorrem também no mundo digital e tecnológico como, por exemplo, os criptoativos, cenário que facilita a lavagem de dinheiro para o tráfico de drogas, corrupção, tráfico de armas, entre outros crimes, e dificulta a identificação dos criminosos, também é importante, em paralelo, a criação de políticas internas e externas de repressão e combate à lavagem de dinheiro, bem como o aprimoramento na eficácia e celeridade da cooperação jurídica internacional entre países distintos. É necessário um alargamento da sanção penal para estes tipos de delitos, com um alargamento também das penas em multa a serem impostas o pagamento aos delinquentes destes tipos penais.

*Eduardo Maurício é advogado no Brasil, em Portugal e na Hungria. Doutorando em Direito - Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema pena y criminologia), pela Universidad D Salamanca - Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu, em Direito das Contraordenações e em Direito Penal e Compliance pela Universidade de Coimbra/Portugal.