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Meio Jurídico

Foto: Comunicação MPF

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O Ministério Público Federal (MPF) reforçou, por ocasião do Novembro Quilombola, a necessidade de celeridade na tramitação de processos envolvendo comunidades tradicionais junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). A priorização dos casos é motivada pela situação de vulnerabilidade social dessas comunidades, que se agrava com a excessiva demora enfrentada no processo de reconhecimento e titulação de suas terras. O MPF obteve, até o momento, dezenas de julgamentos favoráveis em processos de matéria quilombola apreciados neste mês na Corte Regional.

Segundo levantamento do MPF, 297 processos de matéria quilombola tramitam no TRF1. É o tribunal que concentra o maior número de comunidades sob sua jurisdição, comportando os dois estados brasileiros com a maior concentração de quilombos: Bahia e Maranhão.

Em memorial encaminhado ao TRF1, o Ministério Público solicitou que processos com a temática quilombola fossem tratados com prioridade neste mês, especialmente aqueles aptos para julgamento. O mês de novembro é dedicado ao tema por conta do Dia da Consciência Negra, celebrado neste dia 20. A data marca a morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, principal símbolo de luta e resistência dos negros escravizados no Brasil. Para o MPF, trata-se de marco histórico importante para a sociedade brasileira, que enseja a adoção de ações efetivas para a garantia dos direitos da população negra e das comunidades quilombolas no país.

O direito das comunidades remanescentes de quilombo ao reconhecimento de suas terras está previsto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal. No entanto, o que se evidencia na prática são períodos excessivamente longos de inação administrativa no processamento das ações que discutem a posse dos territórios tradicionalmente ocupados. Em alguns casos, passam-se décadas sem que sequer as fases preliminares de delimitação sejam iniciadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Essa demora proporciona instabilidade e insegurança jurídica para as populações quilombolas, vítimas de violências contra seus direitos territoriais, seus modos de vida e, muitas vezes, contra a própria integridade física. É o caso, por exemplo, de Bernadete Pacífico, importante representante quilombola, líder da Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos (Conaq). Mãe Bernadete, como era conhecida, foi assassinada a tiros em agosto na associação do Quilombo Pitanga dos Palmares, no município de Simões Filho, na Bahia. Um de seus filhos havia sido assassinado seis anos antes.

A fixação de um prazo razoável para duração do processo administrativo de titulação das terras quilombolas é objeto de inúmeros processos em curso na Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que o prazo, considerando todas as fases previstas normativamente, seria de 24 meses. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por sua vez, instituiu grupo de trabalho visando a melhoria da atuação do Poder Judiciário no tema.

Balanço – Importantes decisões sobre a temática foram obtidas no TRF1. Os desembargadores acolheram os recursos do MPF, garantindo, assim, relevantes conquistas para comunidades que esperam há anos a titulação de suas terras. Além disso, imbróglios com particulares, por meio da atuação do MPF, foram decididos em favor das comunidades remanescentes de quilombos. Merecem destaque os seguintes casos:

Território Quilombola Volta (BA) - AI n° 1039321-88.2022.4.01.0000
A comunidade, localizada no município de Bom Jesus da Lapa, aguarda há 17 anos a tramitação do processo administrativo de titulação de suas terras. O recurso vencido pelo MPF questionava sentença que determinou a conclusão do relatório preliminar de delimitação territorial no prazo de 90 dias. Em caso de descumprimento, a autarquia deverá pagar multa no valor de R$ 10 mil, a ser revertida em favor da comunidade.

O TRF1 não aceitou o argumento do Incra de que não possui recursos suficientes para proceder à conclusão do relatório preliminar.

Território Quilombola Redenção (TO) - AP n° 0015816-43.2009.4.01.4300

Mais um caso de regularização fundiária quilombola, este com atraso de 16 anos, em que nem sequer a primeira etapa do processo de regularização foi iniciada. O TRF1 atendeu recurso do MPF e determinou o prazo de dois anos para que o Incra e a União concluam a titulação das terras ocupadas pela comunidade, localizada no município de Natividade.

Segundo os autos, dos 33 procedimentos abertos para regularização fundiária de comunidades quilombolas no Tocantins, apenas seis tiveram movimentação e, ainda esses, encontram-se estagnados.

Território Quilombo de Matão (TO) - AP n° 0015814-73.2009.4.01.4300

Em outro caso oriundo do Tocantins, o MPF pede o estabelecimento de prazo para titulação da comunidade dos remanescentes do quilombo de Matão, que também se arrasta há 17 anos. O TRF1 determinou o prazo de dois anos para conclusão de todas as etapas do processo, sob pena de multa diária no valor de R$ 2 mil.

A decisão pontua que o fato de haver limitação orçamentária por parte do Incra não se revela como justificativa para o não cumprimento de disposições constitucionais e legais.

Territórios Quilombolas Murumuru e Murumurutuba (PA) - AI n° 0001586-79.2016.4.01.3902

O TRF1 manteve a condenação de um particular acusado de ter provocado incêndio em 156 hectares de floresta nativa no Pará, afetando as comunidades Murumuru e Murumurutuba. Em ação proposta pelo MPF, o réu foi condenado a apresentar plano de recuperação da área degradada e a pagar indenização por danos morais às comunidades atingidas.

Territórios Quilombolas de Ribeirão do Itambé (MT) - AI n° 1002956-35.2022.4.01.0000O TRF1 negou o recurso de um grupo de particulares que alega a posse de terras que são objeto de regularização fundiária da Comunidade Itambé, remanescente de quilombo, localizada no município da Chapada dos Guimarães. O recurso questionava a parcialidade do perito designado para elaborar o laudo antropológico da área em demanda, confrontando o relatório produzido com o de um perito particular.

Para o MPF, os particulares pareciam buscar “o tumulto processual, com objetivo de protelar os trabalhos”. A Justiça, em mesmo sentido, considerou como ilações vagas e imprecisas, sem qualquer amparo factual, as imputações feitas ao laudo antropológico. Com isso, negou o pedido de produção antecipada de um novo laudo.

Comunidades quilombolas na Bahia – AP nº 1000262-08.2018.4.01.3307

A ação originária foi ajuizada pelo MPF para assegurar a conclusão de processos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelas comunidades quilombolas do Boqueirão, Alto da Cabeceira, Corta Lote, Lagoa dos Patos, Quatis dos Fernandes, Lagoa do Vitorino, Laranjeiras, Moitinha, Pedra, Quentas do Sol, Lagoinha, Rancho de Casca e Laginha, no prazo máximo de 12 meses, e teve decisão favorável da Justiça Federal na Bahia.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a União recorreram da decisão e o TRF1 manteve, em parte, a decisão da Justiça Federal na Bahia.

Comunidade Quilombola de Fazenda Grande (BA) – AP nº 1002530-76.2020.4.01.3303
Nesta ação, o MPF pediu e a Justiça Federal na Bahia expediu sentença para que o Incra conclua o processo administrativo de titulação e demarcação das terras da comunidade remanescente de quilombo de Fazenda Grande, em Muquém de São Francisco, e, ao final, adote providências para fixação de marcos e placas indicativas dos limites da área tradicional.

Após recurso do Incra e da União, o TRF1 manteve, em parte, a obrigação definida na sentença já proferida.

Comunidade Quilombola de Boa Vista do Pixaim (BA) – AP nº 1004783-71.2019.4.01.3303

O TRF1 foi favorável ao MPF e manteve a obrigação do Incra e da União de finalizar, em até dois anos, o processo administrativo para regularização fundiária da Comunidade dos Remanescentes do Quilombo de Boa Vista do Pixaim, também em Muquém do São Francisco, além de proibir que particulares tomem posse de áreas incluídas no território da comunidade.

Tratamento de criança da Comunidade Quilombola Mumbuca (TO) fora de domicílio – AP nº 1005258-43.2019.4.01.4300O TRF1 manteve a decisão da Justiça Federal do Tocantins que atendeu ao pedido do MPF e determinou à União e ao Estado do Tocantins a adoção de providências para garantir a uma criança quilombola da Comunidade Mumbuca, na zona rural de Mateiros, o tratamento fora de domicílio para correção de malformação congênita sempre que necessário, custeando as despesas da criança e de um responsável legal.  (MPF)