A digitalização da saúde, que compreende o uso de recursos tecnológicos e de Tecnologia da Informação (TI) para fins médicos, é um fenômeno que a cada ano se consolida e expande em todo o país. Grande responsável por essa aceleração foi a pandemia de Covid-19. Apenas entre os anos de 2020 e 2021, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital, foram realizadas mais de 7,5 milhões de consultas por telemedicina. E de lá para cá, a aderência é crescente, inclusive entre usuários de planos de saúde.
No contexto da saúde suplementar, a digitalização da saúde pode envolver mais que a realização de teleconsultas, incluindo aí a implementação de prontuários eletrônicos, que viabilizam a disponibilização de informações dos pacientes de modo mais amplo e ágil nas redes de saúde, e até mesmo o uso de Inteligência Artificial na relação entre médico, plano e paciente.
Nesse sentido, a legislação brasileira, por meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos de saúde, tem se adaptado para incorporar e regular essas novas práticas. No caso da telemedicina, por exemplo, ela foi regulamentada de forma emergencial durante a pandemia e, posteriormente, passou a ser objeto de regulamentação específica, permitindo que consultas, diagnósticos e até mesmo prescrições pudessem ser realizadas à distância.
Agora, em conjunto com essa legislação, a digitalização da saúde também deve ser acompanhada pelo que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que determina o respeito aos princípios da confidencialidade, privacidade e segurança dos dados dos pacientes. Assim, os planos e os prestadores de serviços de saúde devem garantir a proteção dos dados pessoais, adotando medidas técnicas e administrativas adequadas para prevenir acessos não autorizados e situações de vazamento de informações. A segurança dos dados se apresenta, assim, como um fator a ser tratado com rigor e investimento de quem atua no setor.
Há, também, outro ponto de atenção: a digitalização não deve restringir o acesso dos usuários aos serviços de saúde. Os planos de saúde devem assegurar que a oferta de serviços digitais seja um complemento e não uma substituição ao atendimento presencial, garantindo que todos os usuários, independentemente de sua familiaridade com a tecnologia ou acesso à internet, possam receber atendimento adequado. Os usuários têm o direito de ser informados sobre as modalidades de atendimento disponíveis, incluindo as opções digitais, e devem consentir de forma livre e esclarecida sobre a utilização desses serviços.
A escolha pelo tipo de atendimento deve ser definida pelo paciente, respeitando-se sempre a autonomia do indivíduo e as diretrizes clínicas para cada caso. É importante ressaltar que diversas situações de não conformidade com esse quesito têm acabado na Justiça, com decisões favoráveis aos contratantes dos convênios médicos.
Sem dúvidas, a digitalização da saúde traz boas oportunidades e alternativas para seus usuários. A telemedicina veio para ficar e deve continuar ganhando espaço nos próximos anos. O avanço da tecnologia e a evolução da Inteligência Artificial favorecerão upgrades nesse formato de atendimento médico, o que deve trazer boas experiências para pacientes e para médicos, não só no atendimento quanto também nos cuidados e prevenção à saúde.
Agora, para que tudo isso funcione como se espera, também é fundamental que os profissionais do direito que atuam nessa área estejam atentos às constantes e necessárias atualizações legislativas e regulamentares, bem como às discussões éticas e jurídicas que surgem com a evolução tecnológica na saúde. A digitalização traz benefícios significativos para a prestação de serviços de saúde, mas também impõe desafios relacionados à proteção de dados pessoais e à garantia dos direitos dos pacientes.
*Natália Soriani é especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia.