Afinal de contas, o uso de telas na primeira infância seria ou não prejudicial? Haveria benefícios ou apenas riscos? O que as evidências científicas revelam sobre esses questionamentos? Um estudo científico, conduzido por uma equipe composta por 18 pesquisadores australianos da University of Wollongong, chegou a conclusões surpreendentes, indicando dois pontos negativos e um positivo, associados ao uso de telas por crianças na faixa etária dos seis primeiros anos de vida.
Importante observar que os pesquisadores não se limitaram ao critério de tempo de tela, mas consideraram os seus contextos de uso, ou seja, se a criança assiste sozinha ou acompanhada, se os conteúdos são adequados à sua idade, se são educativos ou não, se, quando estão brincando, há exposição a telas e, por fim, um critério até então incomum: os efeitos do uso de telas pelos cuidadores sobre a criança.
O trabalho, que tem como pesquisador principal o renomado psicólogo Dr. Sumudu Mallawaarachchi, analisou uma amostra composta por 100 outros trabalhos, totalizando 176.742 participantes incluídos na revisão. A pesquisa, intitulada Early Childhood Screen Use Contexts and Cognitive and Psychosocial Outcomes: A Systematic Review and Meta-analysis - em tradução livre: Contextos de uso de tela na primeira infância e desfechos cognitivos e psicossociais: uma Revisão Sistemática e Meta-Análise - foi publicada na JAMA Pediatrics, um dos periódicos americanos mais tradicionais na área de Pediatria, publicado desde 1911.
O primeiro desfecho negativo está associado a visualizar programas, que está associado a efeitos negativos sobre o desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Nesse sentido, quanto mais a criança é exposta a visualizações, mais comprometido ou empobrecido fica o seu desenvolvimento. Por sua vez, a exposição a conteúdos não apropriados à idade afeta o desenvolvimento psicossocial.
O segundo desfecho negativo se relaciona ao uso de telas pelos cuidadores enquanto estão cuidando da criança, ou seja, hábitos de imersão tecnológica por parte dos pais, por exemplo, interfere nas relações entre pais e filhos. Os efeitos, nesse caso, incide sobre o desenvolvimento psicossocial da criança. Por sua vez, televisão ligada no ambiente em que a criança desenvolve sua rotina e suas interações afeta o seu desenvolvimento cognitivo, com prejuízos, inclusive, para o desenvolvimento da linguagem e dos sistemas de atenção.
Por fim, o terceiro desfecho é positivo, e diz respeito ao uso participativo de telas, ou seja, quando o cuidador assiste a uma programação com a criança. Acontece também quando a visualização da criança se dá de maneira direcionada, e para fins educativos. Nesses casos, não se trata apenas de passatempo, mas o adulto aproveita essa oportunidade para estimular habilidades cognitivas e promover a interação, o que pode resultar em efeitos positivos para o letramento e desenvolvimento da linguagem. Nesse sentido, assistir a um programa com a criança foi um achado da pesquisa associado ao desenvolvimento cognitivo da criança. Importante observar, porém, que se recomenda cautela quanto ao tempo de exposição.
Os resultados dessa pesquisa são muito importantes para orientar decisões de profissionais voltados aos cuidados das crianças como pediatras, psicólogos, como também de educadores e, obviamente, dos pais. Fica claro que os efeitos negativos das telas não se restringem apenas aos momentos em que as crianças estão visualizando diretamente as telas, mas também quando os cuidadores, em seus momentos de interação com as crianças, fazem uso de telas e quando televisão fica ligada em ambientes em que as crianças desenvolvem suas rotinas e brincadeiras. Por outro, caso se decida pelo uso de telas, é importante que o conteúdo seja educativo e apropriado à idade e, mais que isso, que o adulto aproveite a oportunidade para estimular habilidades cognitivas da criança, visando, por exemplo a expansão do letramento e o desenvolvimento da linguagem de um modo geral.
*Francisco Neto Pereira Pinto é professor, escritor e psicanalista. Doutor em Letras, atua como Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal do Norte do Tocantins e nos cursos de Medicina e Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos. É autor dos livros infantis O gato Dom e Você vai ganhar um irmãozinho. Siga o autor pelo Instagram: @francisconetopereirapinto.