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Opinião

Raquel Gallinati - diretora da Adepol do Brasil e secretária de Segurança Pública de Santos.

Raquel Gallinati - diretora da Adepol do Brasil e secretária de Segurança Pública de Santos. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Raquel Gallinati - diretora da Adepol do Brasil e secretária de Segurança Pública de Santos. Raquel Gallinati - diretora da Adepol do Brasil e secretária de Segurança Pública de Santos.

Por mais que doa admitir, a realidade tem escancarado uma verdade incômoda: o modelo atual de responsabilização de adolescentes infratores no Brasil está longe de garantir justiça — para as vítimas, para a sociedade e, muitas vezes, até para os próprios jovens.

É preciso dizer com todas as letras: responsabilizar proporcionalmente ao ato cometido não é uma opção, mas uma urgência jurídica, ética e social.

A legislação brasileira, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi construída sobre princípios nobres de proteção e desenvolvimento. Ninguém nega seus avanços na defesa da infância e juventude. Mas há uma linha tênue entre proteger e blindar.

Hoje, adolescentes que cometem crimes hediondos — homicídios, latrocínios, estupros, torturas e até execuções filmadas para exibição — se deparam com um sistema que impõe, no máximo, três anos de internação ou, em casos extremos, até os 21 anos. Depois? O histórico some. A vida segue como se nada tivesse acontecido.

Enquanto isso, as famílias das vítimas carregam o luto. E a sociedade, perplexa, assimila a pior das mensagens: crime compensa quando se é menor.

O artigo 228 da Constituição e o artigo 104 do ECA definem que menores de 18 anos são penalmente inimputáveis. Ou seja, mesmo diante de crimes brutais, adolescentes respondem por um sistema que prioriza medidas socioeducativas. A mais severa delas — a internação — é limitada a três anos, independentemente da gravidade do ato. A punição considera apenas a idade, nunca a proporção do crime.

É legítimo que a lei busque ressocializar. Mas é preciso coerência: se há discernimento para agir, deve haver responsabilidade pelo que se faz. E muitos dos crimes cometidos por menores hoje não são impulsivos. São calculados, frios, executados com plena consciência das consequências. A pergunta que ecoa: até quando "ser menor" será justificativa para não responder pelos próprios atos?

Não se trata de punir crianças. É sobre justiça.

Não falamos de jovens que cometem infrações leves. Falamos de adolescentes que estupram em grupo, esfaqueiam colegas, assassinam com crueldade e ainda registram tudo como troféu. Esses jovens sabem exatamente o que fazem — e sabem que a lei, hoje, os protege mais do que os pune. Isso não é proteção. É um convite ao crime.

Quando a lei não acompanha a realidade, o resultado é o descrédito da justiça, a sensação de impunidade e a erosão da confiança nas instituições. E o pior: o crime organizado sabe disso. Recrutam menores como "mulas", "soldados" e "executores" justamente porque a resposta penal será insignificante — ou inexistente.

A redução da maioridade penal é polêmica? Sem dúvida. Mas expõe a falência de um sistema que trata igual quem age de formas absolutamente desiguais. É possível — e necessário — reformar a lei sem abandonar a ressocialização, mas garantindo responsabilização proporcional à gravidade do crime e ao real discernimento do infrator.

Mais do que idade cronológica, o que importa é maturidade penal e intenção. O STF já afirmou inúmeras vezes que a proporcionalidade é pilar do Estado Democrático. Por que esse princípio é ignorado quando o criminoso tem 17 anos e 11 meses?

A lei deve proteger os vulneráveis, sim. Mas a justiça precisa proteger a sociedade. Porque quando a legislação vira escudo — e não freio — a impunidade se torna regra.

Quem tem discernimento para matar, tem que ter discernimento para responder.

*Raquel Gallinati é diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e Secretária de Segurança Pública de Santos.