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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

É absolutamente comum, em muitas ocasiões, o elogio. Esse, quando desmerecido, deixa uma mensagem um tanto controversa. Em outras palavras, elogiar quando não há algum merecimento para tanto, é dizer, de uma forma não explícita, que o elogio não serve a seu propósito. Qual efetivamente o problema então? Simplesmente transformar o reconhecimento por algo significativo em algo protocolar, isto é, dizer o que não é, criando um mecanismo discursivo de enganar tanto a quem se destina o elogio quanto a quem pode futuramente o receber.

Se o elogio compõe uma pedagogia do reconhecimento, fazer seu emprego em situações nas quais se deve o dispensar é um ato de falseamento discursivo da realidade que compromete a compreensão do mérito envolvido no processo aí implicado. Nesse direcionamento explicativo, a utilização de uma retórica da mentira, tão frequentemente encontrada em inúmeros ambientes na atualidade, torna-se um verdadeiro sintoma de uma sociedade doente pelo falseamento de certas circunstâncias que são vividas por praticamente todos. O que isso ensina? Simplesmente que a verdade, que deve estar contida no elogio, pode ser flexionada ao sabor do momento e das necessidades de quem o emprega.

Alguém poderia dizer que elogiar para deixar o ego do elogiado em “paz” é um procedimento muito antigo, jamais podendo causar qualquer dano significativo a quem quer que seja. Ora, tal argumento não alcança as propriedades discursivas existentes no uso contínuo de fórmulas ritualizadas, como a da conceção de mérito sem sua real demanda.  Esse mecanismo, repetido e naturalizado, infiltra-se em inúmeras esferas da vida social. É comum, por exemplo, no ambiente escolar, ver o estudante aplaudido por trabalhos medianos apenas para que não se sinta diminuído, esquecendo-se de que o elogio deveria ser, antes de tudo, uma consagração do esforço real. Assim, o que se realmente ensina tanto o elogiado quanto aos demais: “qualquer coisa é passível de elogio”.

É evidente que condições especiais requerem observações diferenciadas. Todavia, as congratulações que devem pertencer aos primeiros lugares de uma competição, com medalhas de materiais distintos ou medalhas metafóricas, não carecem de dispersão para alcançar as subjetividades fragilizadas pelo próprio ato de competir. Antes, deve ser oferecido a todos o incentivo frequente e contínuo para o autoaprimoramento ao invés da retórica do elogio falso, comprometida com o desmerecimento de quem realmente faz jus do aplauso verdadeiro.

No espaço laboral, chefes exaltam empregados (colaboradores agora) que pouco contribuem, não por reconhecimento, mas por conveniência hierárquica, uma vez que aqueles que verdadeiramente destacam-se, por trabalho eficiente e dedicação compromissada, acabam soterrados sob a banalização do mérito. No convívio social mais íntimo, multiplica-se o costume de celebrar gestos triviais com palavras grandiosas; um jantar simples deve ser transformado em “obra-prima”, uma atitude corriqueira proclamada como “extraordinária”; até que o próprio vocabulário da distinção torna-se pobre e vazio (o que já se encontra em franco processo de ascendência)

Tais práticas não são inofensivas. Ao contrário, corroem a possibilidade de um reconhecimento verdadeiro, criam uma cultura em que o aplauso não distingue e, por isso mesmo, já não educa. A criança elogiada por qualquer feito sem esforço não compreenderá a diferença entre empenho e comodismo; o profissional premiado sem mérito aprende que o jogo das aparências importa mais que a substância; a sociedade que aplaude indiscriminadamente abdica da crítica e do julgamento lúcido.

Assim, o elogio perde sua função ética e pedagógica, convertendo-se em moeda de troca, em protocolo vazio, em mera encenação de reconhecimento. Quando a mentira torna-se regra disfarçada de delicadeza, quando o louvor é concedido apenas para sustentar aparências, instala-se um déficit moral silencioso, mas profundamente devastador. Pois, de tanto mentir ao elogiar sem o devido mérito, a honestidade passa a ausentar-se, demonstrando a indolência da própria inteligência.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.