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Economia

Murillo Torelli é professor de Ciências Contábeis.

Murillo Torelli é professor de Ciências Contábeis. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Murillo Torelli é professor de Ciências Contábeis. Murillo Torelli é professor de Ciências Contábeis.

A Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, o projeto que zera o Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5.000 por mês e cria mecanismos de compensação como um “imposto mínimo” progressivo sobre altas rendas e retenção sobre dividendos para tentar equilibrar as contas públicas. A votação foi aplaudida em plenário e vai agora para o Senado.

Se você lê a manchete pensando “boa notícia para quem ganha pouco”, é compreensível, mas a política fiscal não é (ou não deveria ser) um jingle de campanha. O que chegou ao plenário é, na prática, uma operação de marketing tributário: promete dinheiro no bolso de milhões já amanhã, mas evita tocar no ponto mais sensato e estrutural que precisava ser enfrentado desde que a inflação corroeu as faixas do IR: a atualização das tabelas. Em outras palavras, mexer nas alíquotas e nas bases (as faixas), que é onde se corrige o efeito inflacionário sobre quem cai em faixas mais altas, ficou de lado e isso é o cerne do problema.

Os números ajudam a explicar porque a pressa cheira a política: a expansão da isenção até R$ 5 mil custa, segundo projeções oficiais, R$ 25,8 bilhões, já em 2026, e pode somar R$ 100,67 bilhões em renúncias até 2028. É esse buraco que a Câmara tentou tapar com um conjunto de remendos: imposto mínimo progressivo para quem aufere mais de R$ 50 mil por mês (alcançando até 10% para rendimentos acima de R$ 100 mil/mês) e retenção de 10% na fonte sobre dividendos superiores a R$ 50 mil mensais, medidas justificadas como “tributar os super-ricos”.

No curto prazo, a conta bate no bolso médio com um efeito colateral pouco comentado. Para um assalariado que recebe R$ 5.000 por mês a economia mensal é estimada em R$ 312,89 (algo em torno de R$ 4.000 a R$ 4.3 mil no ano, incluindo 13º).

Muitos desses contribuintes estavam recebendo restituição anual (ou seja, pagando mais na fonte durante o ano e recebendo parte de volta na declaração). Com a isenção, a restituição desaparece, o que significa que o “ganho” é, em grande parte, apenas uma antecipação do que já era deles. Em outras palavras: se antes você recebia R$ 1.000 de volta no ajuste anual, agora você terá R$ 312,89 a menos de desconto mensal, mas nada à vista no ano seguinte e a sensação de ganho imediato pode ser ilusória.

Há, portanto, uma diferença crucial entre política pública bem desenhada e política populista bem embalada: transparência sobre quem paga, por quanto tempo e com que impacto econômico. A alternativa do relator de tributar dividendos e criar um piso para os super-ricos é razoável no debate teórico; porém, na prática parlamentar, essas medidas viram “válvulas de escape” para justificar a renúncia fiscal em massa sem enfrentar o problema estrutural das faixas. Além disso, a tributação sobre dividendos e remessas ao exterior enfrenta riscos de planejamento fiscal agressivo, mudanças de comportamento e contestações legais que podem reduzir a arrecadação esperada.

A outra armadilha é que a compensação proposta já tem destino definido no relatório: priorizar repasses a Estados e municípios e, em seguida, usar eventual sobra para reduzir alíquotas da nova CBS. Em linguagem prática: parte da vantagem fiscal (ou o freio de mão) será usada para manter equilíbrio político entre entes federativos e para arrumar o desenho de outras contribuições, não necessariamente para políticas sociais permanentes ou para uma reforma tributária profunda que torne o sistema menos regressivo. Ou seja, a “sobra” não será automaticamente investimento em saúde, educação ou infraestrutura.

Sou a favor de aliviar a carga sobre trabalhadores de baixa e média renda, mas não de trocá-los por remendos cujo sucesso depende de execução complexa e de combate à engenharia tributária. A política fiscal é técnica e simbólica: técnica porque afeta decisões econômicas; simbólica porque diz que tipo de país queremos. Se a prioridade foi conquistar manchetes e votos, ficou faltando coragem para consertar o que realmente corrói o bolso do contribuinte médio: faixas que envelheceram e um sistema que privilegia renda de capital em vez de renda do trabalho.

No fim, a isenção até R$ 5 mil deve ser avaliada por três perguntas simples que os parlamentares deveriam ter respondido com mais clareza: Quem paga? Quem ganha? Por quanto tempo? 

*Murillo Torelli é professor de Ciências Contábeis da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).