O Ministério Público Federal no Tocantins ajuizou ação civil pública contra o consórcio construtor da UHE Luís Eduardo Magalhães, Investco SA, e contra o órgão ambiental do Estado, Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins). O objetivo é a concessão de tratamento mitigatório/compensatório às famílias remanescentes da cidade de Brejinho de Nazaré, que sofreram impactos em suas atividades produtivas em decorrência do enchimento do reservatório da usina.
Em caráter de antecipação de tutela, o MPF requer que seja determinado à Investco que cumpra, num prazo de 60 dias, as obrigações assumidas nos programas básicos ambientais (PBA) do empreendimento e da condicionante 64 da renovação da licença de operação, sob pena de pagamento de multa mensal no valor de R$ 622,00 por família impactada, a ser revertida à própria comunidade para enfrentamento de suas necessidades fundamentais. Também é requerida a determinação ao Naturatins que cumpra sua função fiscalizatória, acompanhando e exigindo a satisfação da condicionante 64 do PBA da UHE Luiz Eduardo Magalhães, sob pena de revogação da licença de operação do empreendimento.
A ação proposta é parte de inquérito civil público instaurado para investigar a condição das famílias de Brejinho de Nazaré que reclamavam a condição de impactadas pelo empreendimento hidrelétrico. A condicionante 64 consta em parecer conjunto do Naturatins/Ibama, de 06 de fevereiro de 2010, referente ao cumprimento das condicionantes para renovação da licença de operação da usina, e diz respeito a 272 famílias não cadastradas no município. Um grupo de trabalho (GT) sob presidência do MPF/TO averiguou as condições destas famílias e as atividades que exerciam, sendo as informações repassadas à Investco em dezembro de 2010.
Posteriormente, a Investco considerou as provas apresentadas pelas famílias insuficientes, o que gerou nova mobilização do grupo para levantamento dos dados necessários, desta vez com entrevistas individuais. A conclusão a que se chegou foi que as famílias são passíveis de receber tratamento como impactados. Novamente instada pelo Naturatins a dar o devido tratamento às pessoas relacionadas no relatório confeccionado pelo GT, a Investco recusou-se a cumprir a recomendação, alegando que não surgiram evidências materiais que comprovassem a interferência da construção da UHE Lajeado nas atividades produtivas das famílias pleiteantes de Brejinho de Nazaré.
Após novos estudos, foi verificado que o conceito de impactado estaria recebendo uma definição muito restritiva, que desconsidera os impactos sociais que transcendem os aspectos meramente econômicos. Segundo documento elaborado pelo grupo de trabalho, em decorrência do empreendimento podem ser comprometidas tradições culturais, laços e redes sociais, locais de valor simbólico e religioso, conformando um conjunto de perdas que se pode designar como perdas imateriais ou intangíveis. A definição de impactos sociais deve incluir essa dimensão cultural ou simbólica da vida social, e para que fosse efetivada uma verdadeira justiça socioambiental, as pessoas relacionadas deveriam receber tratamento por parte da Investco.
Mesmo em face da pesquisa produzida pelo GT, o empreendedor negou-se a reconhecer o impacto ocasionado às famílias, argumentando que somente a prova documental (notas fiscais/recibos) poderia ser aceita para a comprovação do exercício das atividades comerciais impactadas. As famílias relacionadas são em geral muito pobres, com baixa escolaridade e número considerável de idosos, num contexto que evidencia ausência de condições de obter subsistência com atividades distintas daquelas que realizavam antes do enchimento do lago. Muitas não foram identificadas pelo empreendedor no tempo oportuno porque desenvolviam atividades informais e sazonais na área atingida (barraqueiros/pescadores). Muitos trabalhadores eram arrendatários (olarias, roças de vazante, extração de areia) e foram indevidamente excluídos dos cadastramentos porque não dispunham de prova documental da atividade exercida, embora um dos PBA's previsse alternativas de compensação para não-proprietários, contemplando tratamentos.
A ação civil aponta que o empreendedor agiu com descaso ao desconsiderar os impactos nas atividades desenvolvidas pelas famílias de Brejinho de Nazaré, tendo reduzido o quantitativo de famílias atingidas pela construção da usina, e registra que o longo tempo decorrido desde o enchimento do reservatório não é empecilho para o reconhecimento da condição de impactadas e o respectivo tratamento. Também verifica que o órgão licenciador Naturatins mostrou-se leniente no cumprimento de seu dever fiscalizatório, pois manteve-se inerte perante o consórcio construtor mesmo diante do resultado do relatório do grupo de trabalho. (Ascom MPF)