O Ministério Público Federal no Tocantins ajuizou nesta quinta-feira, 18, três ações penais contra acusados de reduzir trabalhadores à condição análoga à de escravo. Além dos proprietários das fazendas onde foram flagrados os crimes, também foi denunciado Carlos Antônio Gonçalves, que atuava como gato e aliciava os trabalhadores em suas cidades de origem para o trabalho em carvoarias nas três fazendas, todas no município de Sandolândia.
Na fazenda São Marco, de Walter Moreira da Silva, o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho libertou dois trabalhadores. Já na fazenda São Nicolau III, de propriedade de Joaquim Almeida de Carvalho, foram libertados dez trabalhadores, e na fazenda Boa Sorte, de Salvador Leandro Nascimento, eram oito os trabalhadores em condições degradantes. A fiscalização aconteceu na região entre os dias 9 e 27 de abril de 2012.
Carlos Antônio é conhecido administrador de fazendas da região, e era responsável pelas carvoarias existentes nos imóveis rurais. Era ele quem contratava diretamente os trabalhadores e respondia tanto pela produção do carvão, que demanda os trabalhos de enchimento do forno, carbonização e tiragem, como pela negociação e venda do produto. Apesar de Carlos Antonio figurar como contratante dos trabalhadores rurais, os inquéritos policiais permitem deduzir que os beneficiários diretos e majoritários do desempenho da atividade produtiva eram na verdade os proprietários das fazendas. Walter, Joaquim e Salvador chegaram a firmar termo de ajustamento de conduta perante o Ministério Público do Trabalho para pagamento das verbas rescisórias trabalhistas, o que evidencia responsabilidade e conhecimento dos fatoMinists relativos aos trabalhadores em suas fazendas.
O relatório de fiscalização aponta diversas irregularidades nas três relações trabalhistas, como terceirização ilícita, retenção salarial, aliciamento, alojamentos sem condições mínimas de segurança e saúde, não fornecimento dos equipamentos de proteção individual, retenção dos trabalhadores no local de trabalho em razão de dívidas, cerceamento de uso de meios do transporte e posse de objetos pessoais dos trabalhadores. Não havia relação empregatícia, pois nenhum dos trabalhadores possuía registro em livro ou anotações em suas respectivas carteiras de trabalho. A atividade desenvolvida era de longo prazo, mas os trabalhadores foram contratados de forma verbal, com prazo estipulado para conclusão do serviço com adiantamentos de valores que não correspondiam aos devidos em relação ao serviço prestado.
A alimentação dos trabalhadores era preparada pelos próprios em fogões rústicos improvisados com tijolos, sem o menor asseio, higiene e conservação, e os alimentos eram comprados pelos mesmos. No alojamento da carvoaria não havia nenhuma estrutura de descanso, refeição, preparo dos alimentos ou de higiene pessoal. A água destinada ao consumo e preparo das refeições coletada em poços a céu aberto, sem passar por qualquer tratamento. Não existiam instalações sanitárias nem material de primeiros socorros nos locais.
Não eram fornecidos equipamentos de proteção individual necessários à atividade, que pela sua própria natureza já é insalubre e perigosa, o que aumentava consideravelmente os riscos do ofício e sujeitava os trabalhadores a acidentes. Também ficaram configuradas as jornadas excessivas, pois os homens trabalhavam de dez a onze horas diárias de segunda a sábado e alguns domingos, excedendo o limite permitido de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
Escravidão contemporânea
As denúncias do MPF/TO à Justiça Federal esclarecem que a configuração do trabalho escravo não exige especificamente que um ser humano seja submetido à propriedade de outro, como nos tempos de escravidão. O trabalho escravo contemporâneo tem conceito complexo, e para sua configuração é suficiente que existam na relação de trabalho alguns elementos que afrontem a dignidade dos cidadãos. Atualmente, o trabalho escravo está escondido, maquiado por trás de inúmeros trabalhos urbanos e rurais, que aprisionam muitos trabalhadores nas correntes da violência física e moral, nas situações de trabalho exaustivo, nas instalações em alojamentos degradantes, diminuindo e rebaixando os trabalhadores para uma condição semelhante a daqueles que viviam em regime de escravidão.
Penalidades
O MPF/TO considera que as irregularidades perpassam o âmbito trabalhista para se juntar a condição degradante de trabalho. Uma das ações requerem a condenação de Carlos Antônio Gonçalves e Salvador Leandro do Nascimento por oito vezes em concurso formal às penalidades previstas no artigo 149, no artigo 203 e artigo 297, parágrafo 4º, combinado com o artigo 69, todos do Código Penal.
Em outra ação, Carlos Antônio Gonçalves e Walter Moreira da Silva encontram-se incursos, por duas vezes, no tipo do artigo 149 e no tipo penal previsto no artigo 203 e artigo 297, parágrafo 4º, combinado com o artigo 69, todos do Código Penal. A terceira ação requer a condenação de Carlos Antônio Gonçalves e Joaquim Almeida de Carvalho, encontram-se incursos, por dez vezes, em concurso formal no tipo do artigo 149 e no tipo penal previsto no artigo 203, e artigo 297,parágrafo 4º, combinado com o artigo 69. (Com informações do MPF)