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Estado

Foto: Divulgação

Indícios de irregularidades na administração e crimes praticados contra crianças e adolescentes levaram a Justiça a determinar, nessa sexta-feira, 20, a imediata intervenção das casas de acolhimento mantidas pela Associação Ágape, na cidade de Paraíso do Tocantins. As denúncias foram apresentadas pelo Ministério Público Estadual (MPE) em Ação Civil Pública (ACP) que classificou as casas como “casas do horror” devido às barbáries praticadas contra os acolhidos. Na noite da última quinta-feira, 19, após realizar diligências em uma das unidades, o MPE prendeu em flagrante uma cuidadora pelos crimes de maus-tratos e cárcere privado de duas meninas. Também foi preso um pastor, responsável pela administração.

Além de determinar a intervenção das casas, cuja administração deverá ficar sob a responsabilidade do Município, a Justiça mandou afastar a direção e funcionários, transferir valores da conta da associação para uma conta judicial, entre outras providências. Considerada por anos como referência no acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco, a Associação Ágape, responsável por manter as casas de acolhimento de meninas, meninos e bebês, possui sede instalada em anexo da Igreja Batista Ágape, tendo como presidente o pastor Gean Carlos de Sousa.

Após denúncias de irregularidades genéricas por parte de anônimos, a Promotoria da Infância e Juventude de Paraíso do Tocantins deu início às investigações, mas não obteve sucesso em virtude da falta de comprovação dos fatos denunciados. O aprofundamento das investigações só foi possível após a delação do caso de um bebê que estaria sendo retirado do abrigo para passar fins de semana com uma família que pretendia adotá-lo, ou seja, sem a devida autorização judicial e com indícios de futura adoção direcionada. A partir daí, a Promotoria de Justiça passou a ouvir depoimentos de conselhos tutelares antigos e atuais, de acolhidos e até de cuidadores, e empreendeu diligências nas casas.

As constatações foram assustadoras com a ocorrência de fatos gravíssimos, como tortura por meio do trancamento de menores em quarto sem ventilação e sem banheiro, falta de atendimento diante dos gritos e apelos por socorro, discriminações, privação de alimentos como forma de castigo, xingamentos, depreciação da pessoa e da família natural, ameaças de “apanhar da polícia”, entrega indevida de acolhidos a terceiros, falta de liberdade religiosa, além de abusos físicos, sexuais e psicológicos perpetrados pela própria direção e funcionários dos abrigos.

Adoção direcionada, agressões físicas e abuso sexual

Grande parte das adoções de crianças eram realizadas por fiéis da Igreja Batista Ágape e também por pessoas próximas ao Pastor Gean, presidente da Associação, sendo ele, inclusive, agraciado com filhos adotados, assim como demonstram os registros da Vara da Infância, onde existem ações de adoção, guarda e medidas de proteção das pessoas indicadas. Chamado a prestar esclarecimentos, o próprio pastor confirmou ainda que as demais crianças tinham o costume de sair nos fins de semana com famílias da comunidade da igreja. Existem relatos de que uma acolhida foi levada para a casa de fiéis com o simples fim de realizar serviços domésticos na residência.

Para o promotor de Justiça Guilherme Goseling, mesmo sem as crianças e adolescentes estarem destituídos da família, a Associação não se preocupava em manter os laços familiares dos acolhidos e ainda exigia autorização judicial dos familiares para as visitas. “A família natural, aquela que deveria ter os laços reforçados, foi afastada do convívio com o acolhido, aumentando a alienação e vulnerabilidade”, explicou. Sobre a ocorrência de violência sexual, um pai social chegou a ser denunciado pelo MP, no ano de 2013, sob acusação de ter praticado sexo com adolescente de 16 anos, acolhida na casa. Mesmo diante desse fato, o presidente manteve-se omisso, inclusive na contratação de cuidadores, desconsiderando esses fatos e os casos de agressão física que também foram registrados.

As agressões ocorriam por meio do uso de cintos, cipós, tapas e golpes com cabo de facas. Relatos também demonstraram que um cuidador punia e humilhava as crianças, utilizando métodos constrangedores. Em um dos casos, ele passou o rosto de um menino na caixa de gordura da casa e em outro, o mesmo cuidador passou fezes pelo corpo de um menino de apenas três anos de idade.Os acolhidos eram sujeitos a castigos como ficar preso em quartinhos sem poder se alimentar, sem ventilação alguma e impedidos de ir ao banheiro. Situação esta em que duas crianças foram encontradas pelo MP, na quinta-feira, quando a instituição realizou vistoria no local. Pela prática de cárcere privado e maus-tratos, uma cuidadora foi presa em flagrante. Na ocasião, uma lista com possíveis castigos a serem aplicados foi encontrada.

O pastor Gean Carlos, presidente da Associação, encontra-se preso na Casa de Prisão Provisória de Paraíso, e Kariny Pereira Arantes, coordenadora da Associação, está com mandado de prisão expedido contra ela, mas até agora não foi encontrada. (Ascom MPE/TO)